Postado em: 22/08/17 às 07:19:55 por: James
Categoria: Marisa Bueloni
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Marisa Bueloni
Se o céu se abrir, direi que ainda estou nocauteada de sonho. Mas também indignada. As coisas dão uma volta muito longa para chegar onde desejam. Dona Vida é cheia de nove horas, reparou? Ela se adianta, se atrasa, chega bem no meio da festa e, às vezes, sai de fininho. Ninguém pode abrir a boca. Resta um caixão tristíssimo, flores de um perfume estranho, uma cova na terra, a conta maior que tiveste em vida.
Se o céu desabar, não haverá como sair de baixo. Feliz de quem construiu seu próprio refúgio dentro do coração. É coisa espiritual, que não se compra com dinheiro do mundo. Não é algo físico, tipo uma construção segura, senhores.
Na vertigem da vida, quero a exatidão do que não acontece. Do sonho não realizado. Da sorte que nunca tivemos. Do concurso que não ganhamos. Do encontro jamais tido. Do beijo não dado. Dá para entender? É como digo: melhor o mistério eterno que a revelação absoluta.
Neste combate diário, a luta de viver é quase insana. Só não vamos à loucura completa, porque nos protegemos o tempo todo. Cuidamos das coisas importantes, das situações delicadas, dos afagos aos litígios.
As coisas da terra são sempre muito sombrias. Devem ser mais belas e mais alegres as do Céu. Buscai as coisas do Alto. É para as alturas que dirijo meu olhar solene, à espera de solenidades. E assim, durante a confissão, num momento inspirado, em que os santos nos altares pararam para ouvi-lo, o frei me disse: “Minha filha, Deus conhece o barro de que somos feitos”.
Neste inverno da vida, encanta-me o senso das folhas secas. Alisa-me a rosa dos ventos. Acordo do sono dos séculos. Abraça-me a força de que todos nós precisamos para ir em frente. Aposto sempre na esperança e evito os presságios. Pego o atalho mais curto que leva ao equilíbrio, à prudência e a um pouco de juízo. Só o necessário.
O necessário da vida é tão pouco! Basta-me meia dúzia de coisas para ser feliz. Minha bioquímica é alegre, o ânimo acorda comigo a cada manhã. Ainda dou conta de limpar a casa, podar o jardim, lavar minha roupa e fazer a comida. A exasperação do cotidiano fica por conta da violência e da corrupção do nosso mundo.
Olho as frutas nas bancas e a floração de algumas coisas imperecíveis à minha volta. Adivinho um perigoso fragor de astros em colisão. O rumor das folhagens ao vento, o coração da Terra pulsando. O Sol se move entre as palavras. Perdida de amor, pergunto: Deus, por que fizestes tudo isso, assim, sem ao menos nos avisar?
Homens de boa vontade! Seremos eternos, se construirmos o novo Éden perdido na memória. Saudade da pátria celestial? E as lágrimas não respondem à minha pergunta...