Postado em: 08/07/19 às 10:51:07 por: James
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A Ordem dos Frades Menores Capuchinhos conta em suas fileiras mais um novo Venerável: o Cardeal Guilherme Massaia. Em 2 de dezembro de 2016, o Santo Padre Francisco assinou o Decreto que reconhece que este filho de São Francisco de Assis viveu em grau heroico as virtudes teologais e cardeais. Trata-se do primeiro degrau de reconhecimento oficial, por parte da Igreja, do caminho virtuoso do Capuchinho.
Quem foi Guilherme Massaia?
O Servo de Deus, penúltimo de oito filhos, nasceu na Província de Asti, terra de Dom Bosco, a 8 de junho de 1809. No mesmo dia, foi batizado com o nome de Lorenzo Antonio. Seus pais eram agricultores modestos e religiosos. Transcorreu a infância em família, para, em seguida, passar à tutela do irmão mais velho Guglielmo, que era pároco da catedral de Asti.
Concluídos os estudos superiores como seminarista no Colégio Real desta cidade, a fim de pôr em prática o ideal missionário, ingressou na Ordem dos Capuchinhos, entre os quais vestiu o hábito em 6 de setembro de 1826, assumindo o nome do irmão mais velho: Guilherme. Após os estudos filosóficos e teológicos (1827-1833), foi ordenado sacerdote em Vercelli, a 16 de junho de 1832. Inicialmente capelão hospitalar, teve como aprender noções de medicina, o que lhe será valioso na África; lecionou em seguida filosofia e teologia, de 1836 a 1846. Em 1844, foi também chamado a colaborar na qualidade de conselheiro do Ministro Provincial de Piemonte.
Estes encargos puseram-no em contato com a Casa de Savoia, com diplomatas, médicos, intelectuais e membros insignes do clero piemontês. Em particular, foi confessor e conselheiro de São José Bento Cottolengo, da Marquesa Juliette Colbert de Barolo, do escritor Silvio Pellico e do futuro Rei da Itália, Vítor Emanuel II.
O ano de 1846 foi determinante para a evangelização da Etiópia. Após o fracasso das missões jesuíticas, franciscanas e capuchinhas dos séculos XVI e XVII, e apesar de ter sido erigida a Prefeitura da Abissínia, ao norte, encabeçada pelo santo vicentino Justino de Jacobis (1839), a Etiópia carecia de uma hierarquia católica.
O feliz intuito de Gregório XVI conseguiu concretizar o projeto missionário. Acolhida a sugestão epistolar do explorador francês Antoine d’Abbadie, proveniente de Quarata, às margens do Lago Tana (9 de março de 1845), confiou o vigésimo território dos Gallas, no sul da Etiópia, à Ordem dos Capuchinhos. Com o Breve de 4 de maio de 1846, erigiu o Vicariato Apostólico e nomeou Massaia, por indicação de Fr. Venanzio de Turim, Ministro Geral da Ordem dos Capuchinhos, como Bispo Titular de Cassia “in partibus infidelium” e primeiro Vigário Apostólico dos Gallas. Em 24 de maio seguinte, o Prefeito da Congregação de Propaganda Fide conferia-lhe em Roma a plenitude do sacerdócio.
A partir este momento, iniciou-se uma das páginas mais aventurosas da vida de Massaia. Partiu da Itália em 4 de junho de 1846, conseguindo chegar à sua missão somente seis anos depois, em 21 de novembro de 1852, a custo de sofrimentos e percalços sem precedentes, provocados particularmente pelo Metropolita Copta da Etiópia, o Abuna Salama III, que, excomungando-o, chamou-o com o nome profético de Abuna Messias.
Oito travessias do Mar Mediterrâneo, doze do Mar Vermelho, quatro peregrinações à Terra Santa, quatro assaltos no Planalto da Etiópia, no Mar Vermelho, no Golfo Pérsico e no Sudão; quatro exílios, diversas prisões e dezoito riscos de morte constituem o balanço da sua epopeia missionária.
Após repetidas tentativas de entrada, a atividade do bispo se articulou em períodos bem definidos: a Missão dos Gallas propriamente dita (1852-1863), compreendendo as fundações de Assandabo, em Gudrú (1852), de Ennarea (1854), de Caffa e Lagamara (1855), e de Ghera (1859); a permanência na Europa (1864-1867), pra reorganizar os quadros missionários, compor os catecismos galla e cafinês, publicar a primeira gramática da língua galla – até então apenas falada – e fundar o Colégio Galla São Miguel, em Marselha, para os jovens aspirantes ao sacerdócio (15 de abril de 1866); a Missão de Shewa, onde o Rei Menelik II manteve-o como seu conselheiro e fundou, em 1868, as importantes estações missionárias de Fekerié-Ghemb e de Finfìnrú, em seguida elevada a capital da Etiópia moderna em 1889, com o nome de nome de Adis Abeba.
O exílio, decretado em 3 de outubro de 1879, pelo Negus-neghesti (imperador) Joannes IV, vencedor contra Menelik, bloqueou definitivamente a atividade benéfica do Servo de Deus, forçando-o à renúncia de Vigário Apostólico dos Gallas, a qual escreveu em Esmirna em 23 de maio de 1880, véspera do aniversário de sua ordenação episcopal.
Após ter transcorrido grande parte de 1880 no Egito, no Oriente Médio e na França, o missionário exilado decidiu estabelecer-se no convento de Bastia, na Córsega, para “pensar um pouco em si mesmo” e “para fugir das honras que lhe estavam sendo preparadas na Itália em vista de seus méritos”. Deixou Bastia em 14 de novembro de 1881, e então se estabeleceu em Roma por vontade do próprio Papa Leão XIII, que o induziu a escrever as memórias africanas, promovendo-o a arcebispo e elevando-o, em 1884, à dignidade de cardeal.
Massaia viveu a última década dividindo sua residência entre a Cúria Geral da Ordem dos Capuchinhos, o Colégio Urbaniano de Propaganda Fide e o convento dos Capuchinhos em Frascati, onde edificou confrades e visitantes pela extrema pobreza.
No início de agosto de 1889, dirigiu-se à Villa Amirante, em San Giorgio a Cremano, para um pouco de repouso. Em 6 de agosto, Festa da Transfiguração, foi acometido por um ataque cardíaco. À notícia da morte, o Santo Padre Leão XIII exclamou: “Morreu um santo”.
O corpo foi logo rodeado pela veneração das autoridades e do povo que lhe era querido, e que, apesar das advertências, conseguiu cortar sua túnica até os joelhos, e tirar-lhe o cordão. As exéquias aconteceram na Igreja dos Alcantarinos de Granatello, celebradas pelo Cardeal Arcebispo de Nápoles. Em 7 de agosto, o corpo, depositado em tríplice urna, foi levado a Roma em um vagão de trem adornado de luto. Em 9 de agosto, celebrou-se um solene funeral na igreja de Santo André “delle Fratte”, em Roma. O corpo foi sepultado na capela da Congregação de Propaganda Fide, em Verano, e, por sua vontade explícita, transladado em 11 de junho de 1890 a Frascati, na igreja dos Capuchinhos, onde repousa até hoje. Aqui, ele quis ser sepultado, porque a paz dos mortos não é incomodada pelos barulhos do mundo, nem a santidade dos sepulcros é profanada pelo luxo dos modernos cemitérios. A fama de santidade, já presente em vida pela sua indomável atividade apostólica e missionária, manifestou-se após a sua morte, e levou a promover, em 1914, o processo canônico.
O que diz hoje à nossa vida este frade capuchinho?
O Cardeal Guilherme Massaia é certamente um dos missionários mais significativos da Igreja, considerado pela historiografia missionária o maior evangelizador do século XIX, atual no exemplo e na mensagem evangélica também pelas condições ambientais em que trabalhou, pelos percalços de suas viagens intermináveis, pela rigidez de seu caráter e pela capacidade organizativa que lhe fez intuir e realizar uma presença da Igreja primitiva e digna, por isso mesmo, desde os tempos apostólicos, pela simplicidade, essencialidade, clareza e adesão à índole das tribos evangelizadas.
As notáveis características da sua atividade missionária podem ser assim sintetizadas: evangelização, promoção humana, santidade. É o que se pede hoje de todo missionário. Ao lado destes pontos essenciais, na sua atividade estavam presentes também a colaboração, a inculturação, a flexibilidade e a abertura.
Aberto a todos os problemas da evangelização, o Capuchinho não limitou a sua atividade aos Gallas da própria jurisdição: favoreceu também, com propostas e iniciativas pessoais eficazes, as missões limítrofes. Conseguiu superar obstáculos jurídico-disciplinares e abriu, com dificuldades, pagando pessoalmente, as estradas da pastoral moderna, que hoje percorremos facilmente.
Por séculos, a Igreja institucional exportou, particularmente às terras de missão, produtos europeus, e o próprio Servo de Deus, na primeira correspondência, louvava a chamada civilização ocidental, preferindo-a às demais. Tendo chegado, após seis anos de tentativas audazes e dolorosas ao Vicariato Apostólico dos Gallas, na Alta Etiópia, ele percebeu a necessidade de se desvencilhar de qualquer tentação europeísta.
Como apóstolo de Cristo, rejeitou categoricamente misturar política e religião. “O meu sentimento e a minha convicção – escreve – foram sempre contrários ao sistema de confiar no favor dos príncipes, como elemento muito frágil e misto de paixões para servir como base a uma obra religiosa, à qual, por sua natureza, deve vir do alto”.
Homem simples como a água, levou uma vida santa. Cheio de caridade operativa e que não se poupava, para que o irmão não sofresse; pai providente com todas as qualidades que se possam desejar.
Um missionário que, por anos, viveu parcamente, como o costume dos eremitas abissínios, e que, pouco antes de morrer, pôde escrever que: “todo o sul da Etiópia ouviu a palavra de Deus, com cristãos espalhados por toda parte; o resto, depois, Deus julgará; para nós, basta a sua vontade”.
Um velho santo encurvado mais pelas fadigas, dificuldades, privações, desgostos, do que pelos anos, que se torna exemplo de uma evangelização desprovida de interesses humanos, puramente dedicada ao bem das almas.