
A alma simples mantém para consigo uma atitude sincera e corajosa. Não multiplica os exames de consciência, nem as pesquisas interiores; mas, num relance penetrante, tudo vê e aprofunda.Sua consciência não tem segredos, reservas, obscuridades ou recantos sombrios. Tudo está aclarado pela luz de Deus. Não lhe são necessárias longas análises nem conflitos interiores: um rápido olhar mostra-lhe como realmente é.
Tem de si um conhecimento perfeito, embora sem constantes introspecções. E faz mais do que conhecer-se: corrige-se, emenda-se, transforma-se, porque se despreza e foge de si mesma. Há quem procure a contrição, considerando as próprias faltas, a fealdade e as conseqüências do pecado.
A alma simples busca o arrependimento, sobretudo na contemplação de Deus, no sentimento da ofensa feita à divina majestade e do desgosto causado ao coração de Deus.
Quando Pedro negou o Mestre, o olhar de Jesus atravessou-lhe o coração e nele fez brotar inesgotável fonte de lágrimas.
A alma simples contempla Jesus e por Jesus é contemplada. Como flecha de fogo, o olhar de Jesus traspassa-a de dor e de arrependimento. Sua contrição é a mais elevada e a mais perfeita, porque inspirada no puro amor.
Por isso, é incalculável a sua generosidade e maravilhoso o seu progresso. Como fogo derrete o gelo e consome a palha, como o sol, num instante, dissipa a mais espessa bruma e faz resplandecer o azul profundo de um céu sem nuvens, assim a simplicidade dissipa a indiferença, destrói a tibieza, consome o pecado e todas as inclinações desordenadas com facilidade e rapidez prodigiosas - pois a simplicidade é o exercício e o ato mesmo do puro amor.
Como a pomba, em vigoroso bater de asas, alcança num instante as mais altas regiões, assim a alma simples, liberta do pecado, se eleva prontamente a Deus.
A alma simples leva a simplicidade até o desejo de perfeição.
Existem almas generosas que se apaixonam pela perfeição e a buscam com ardor. Mas o inimigo as espreita e não as podendo tentar pelo mal, engana-as "sob a aparência do bem”, como observa Santo Inácio.
Há nesse desejo de perfeição demasiada ansiedade, algo de inquieto e agitado, em que o próprio eu transparece. A perfeição é desejada mais por ela mesma ou por considerações pessoais do que por amor a Deus; e a dose de amor próprio, que se insinua no trabalho da alma, corrompe-lhe a pureza e, na mesma proporção, diminui-lhe o valor.
Sede, pois, simples até no desejo de perfeição.
"Levantai-vos depois que tiverdes repousado” (Salmo CXXVI, 2), diz a Escritura: isto é, não vos apresseis em demasia; não vos adianteis a Deus; "não ultrapasseis a Providência", como repetia São Vicente de Paulo. Desejai a perfeição apenas na medida em que Deus a determina para vós.
No dizer de São Francisco de Sales, "as amantes espirituais, esposas do rei celeste, não se purificam visando a pureza e não se enfeitam para ser belas, mas somente para agradar ao celeste esposo. A confiança que lhes inspira a bondade divina tira-lhes qualquer ansiedade ou temor de que não sejam bastante belas e faz com que se contentem com uma suave e fiel preparação realizada espontaneamente."
Entretanto, não deveis limitar nem restringir a intensidade de vossos desejos, desde que os mantenhais sempre em perfeita dependência do agrado de Deus.
Santa Teresa exortava suas filhas a elevar tanto quanto possível o seu desejo de perfeição, e assim Deus nos exorta a todos.
Enfim, desejai atingir a perfeição não de acordo com os caminhos e os meios que vos indicam vossos estreitos conhecimentos, nem conforme vossos projetos e planos; mas, sempre e em todas as coisas, segundo os adoráveis desígnios da eterna Sabedoria e as insondáveis vias da infinita Bondade. Em suma, renunciai-vos totalmente; não procureis conduzir-vos pelos próprios conhecimentos nos labirintos em que toda a ciência humana se perde; mas "lançai vosso coração ao Senhor", e, como diz o Evangelho, "perdei vossa vida para salvá-la" (São Marcos, VII, 35.): eis a última palavra da simplicidade.
E de tal forma ela nos une em todas as coisas à vontade de Deus, que realiza a oração do divino Salvador, na Ceia: "Meu Pai, que eles sejam um, como nós somos um: Vós em Mim e Eu neles, para que sejam perfeitos na unidade!" (São João, XVII, 21-22).
A Simplicidade segundo o Evangelho por Monsenhor de Gibergues 1945
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