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Artigo N.º 12961 - Revelação de Deus Pai a Santa Catarina de Sena ( LIVRO O DIÁLOGO ) - Parte 17 e 18
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Postado em: 26/01/15 às 21:40:24 por: James
Categoria: Livro Aberto
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Continuação

17 . VISÃO DE CATARINA SOBRE A HUMANIDADE PEREGRINA.

Então aquela serva, inflamada de desejo santo, contemplou a si mesma no espelho da divindade e viu a humanidade que caminhava de vários modos e com diversificados interesses na procura do próprio fim. Uns homens, estimulados pelo medo dos castigos (eternos) começavam a subir (do rio para a ponte-Cristo); numerosos atingiam o segundo degrau, após terem atendido ao primeiro apelo de Deus; pouquíssimos iam com grandíssima perfeição.

 

18 . DEUS PAI EXPLICA COMO ATINGIR A PERFEIÇÃO


18.1 - Os degraus do amor

18.1.1 - O amor servil (1º estado)

Então o bondoso Deus, para satisfazer o desejo daquela serva, dizia:

- Considera estas pessoas, que abandonaram o pecado mortal por causa do temor servil; é necessário que passem ao amor virtuoso. O temor servil, sozinho, não basta para lhes dar a vida eterna.


 


O medo constituía a lei antiga, que eu dei através de Moisés. Ela se baseava no temor, pois o castigo seguia imediatamente à culpa. A lei nova é a do amor e veio com meu Filho; fundamenta-se na caridade. A nova lei não cancelou a antiga, mas a aperfeiçoou; meu Filho o disse: "Não vim abolir a lei, mas cumpri-la" (Mt 5,17). Jesus fundiu a lei do temor com a lei do amor; eliminou o imperfeito medo de castigos e deu-lhe o temor santo, isto é, o medo de ofender-me. Assim, a lei imperfeita tornou-se perfeita lei do amor. Por sua vinda, meu Filho - qual carro de fogo - trouxe o fogo da caridade através da natureza humana e a misericórdia em abundância. Ele aboliu o castigo pelas faltas. Na lei mosaica, antigamente, havia a ordem de se punir imediatamente a culpa; hoje não é mais assim. A culpa não é mais castigada nesta vida. Agora ninguém mais deve ter temor servil, pois a culpa não é punida, mas deixa-se para depois, na vida futura, quando a alma estiver separada do corpo. Assim mesmo, só no caso de que o homem não se emende pela contrição perfeita. Enquanto viver (aqui), o homem estará no tempo do perdão; só depois de morto terá o tempo da justiça. É necessário, portanto, abandonar o temor servil e praticar o temor santo, o amor por mim. Em caso contrário, recai-se no rio do pecado por ocasião das adversidades ou das consolações. Estas últimas, se a pessoa a elas se apegar desordenadamente, tornam-se espinhos que ferem a alma.

Afirmei antes (16.13) que é impossível sair do rio do pecado e subir à ponte, sem escalar os três degraus (comuns); de fato, uns o fazem imperfeitamente; outros, perfeitamente; outros, ainda, perfeitissimamente. As pessoas que agem por temor servil sobem os três degraus unificando imperfeitamente suas faculdades. Conscientizando-se do castigo que segue à culpa, (o pecador) com a memória lembra-se do pecado; pela inteligência considera as penas merecidas; e, na vontade, recusa o castigo. Supondo que ajam assim pela primeira vez, seria preciso que o fizessem debaixo da iluminação da fé, isto é, que não se limitassem apenas a pensar nos castigos, mas que considerassem também as virtudes e o amor que lhes dou. Agindo por esta última forma, escalarão (os degraus comuns) com amor, livres do temor servil.

Necessita-se destruir o egoísmo, ser prudente, constante, perseverante. Infelizmente muitos iniciam a escalada com tamanha vagarosidade, amam-me com tal insegurança e negligência, que logo desanimam. Qualquer sopro de vento os faz parar ou retroceder. Tendo atingido o primeiro degrau do Crucificado imperfeitamente, não passam ao segundo, o do Coração.

 

 

18.1.2 - O amor interesseiro (2º estado)

Alguns se tornam servidores fiéis, dedicando-se a mim, não por medo de castigo, mas por amor. Mas seu amor ainda é interesseiro: gostam de mim por vantagens pessoais, à procura das consolações que acham em mim. Trata-se de um amor imperfeito. Sabes quando se manifesta essa imperfeição? No momento em que tais pessoas se vêem privadas da consolação experimentada em mim. Do mesmo tipo é o amor que têm pelo próximo: um amor imperfeito, que não basta, que é passageiro, vai diminuindo e muitas vezes se extingue. Chega a desaparecer, quando retiro destas pessoas as satisfações espirituais e permito dificuldades e oposições, no intuito de provar-lhes a virtude. Minha intenção seria leva-las a um perfeito autoconhecimento, à consciência do próprio nada, a perceber a própria incapacidade frente à graça. Na realidade, no momento da provação, não me procuram, recusam-se a reconhecer-me como benfeitor, não procuram somente a mim com verdadeira humildade. Eis a razão por que concedo e depois retiro as consolações, deixando intacto o estado de graça.

Mas diante disso, estas pessoas desanimam, impacientam-se. Algumas vezes abandonam seus exercícios espirituais; muitas outras, fingindo virtude, dizem a si mesmas: "Esta prática para nada serve" - só porque se vêm carentes de fervor espiritual. Agem imperfeitamente, como pessoa que ainda não se desprendeu totalmente do egoísmo que lhe venda os olhos da fé. Quem se livra do egoísmo entende que tudo procede de mim, que nenhuma folha da árvore cai sem a minha permissão (Mt 6,28) que tudo concedo ou permito a fim de santificar os homens, isto é, para que atinjam a finalidade para a qual os criei. Seria preciso que vissem e compreendessem o seguinte: nada mais desejo que o seu bem no sangue do meu Filho unigênito, com o qual foram purificados.

 

 

Em tal sangue podem reconhecer meu plano, ou seja, que para dar-lhes a vida eterna eu os criei à minha imagem e semelhança e, depois, no sangue de Jesus, os recriei como filhos adotivos através da graça. Infelizmente, são imperfeitos e somente procuram seus interesses e deixam de amar os outros.

Os primeiros (18.1.1) arrefecem por medo de sofrimentos; estes, os segundos, deixam de fazer bem aos outros e decaem no seu amor por ausência de interesses pessoais e consolação interior. O motivo é porque o homem, sem amor altruísta, ama a si mesmo segundo a imperfeição com que me ama, isto é, à procura de interesse próprio.

Se tais pessoas não se derem conta de tal imperfeição, se não aspirarem ao amor perfeito, impossível será que não voltem atrás. Para quem deseja chegar à vida eterna, o altruísmo no amor é indispensável. Para se adquirir a vida interminável, não basta evitar o pecado por medo de castigos ou ser virtuoso por interesses; é mister evitar o pecado porque ele me ofende, e praticar a virtude porque ela é amor por mim.

Quanto afirmado constitui a maneira geral da vocação ao amor. Começa-se pela imperfeição. Mas ocorre que haja passagem da imperfeição à perfeição (no amor): seja nesta vida, praticando a virtude com um coração desinteressado e liberal a meu respeito, seja mediante o reconhecimento da própria imperfeição na hora da morte, com o propósito - no caso de que continuasse a viver - de servir-me altruisticamente.

Foi com semelhante amor, imperfeito, que (São) Pedro amou o doce e bondoso Jesus, gozando de sua afável companhia (durante a vida pública); mas quando chegou o tempo da dificuldade, ele esmoreceu, fugiu, renegou, por medo de sofrer. Os que vão por este caminho, do amor servil e interesseiro, caem em muitos inconvenientes. Seria preciso que se elevassem e se comportassem como filhos, servindo-me desinteressadamente. Todavia, eu remunero os homens por todo esforço e dou a cada um de acordo com seu estado (espiritual) e boa vontade.

18.1.3 - O amor amizade (3º estado)

Os que perseveram na oração e nas boas obras, os que na constância progridem na virtude, estes atingirão o amor-amizade. A estes, eu amarei como amigos, pois correspondo com igual afeição. Quem me quer bem como faz um servo com seu patrão, será amado por mim, o Senhor, na mesma medida; mas não me manifestarei a ele. Os segredos são revelados aos amigos íntimos somente! Sem dúvida alguma, um servo - graças às suas capacidades e afeição - pode progredir e tornar-se amigo caríssimo. E é justamente o que ocorre com estas pessoas. Enquanto permanecem no amor interesseiro, não me manifesto a eles; mas se reconhecem sua imperfeição, procuram as virtudes, destroem a raiz do egoísmo espiritual, renunciam aos sentimentos internos do temor servil e do amor interesseiro através da fé, então sim, serão do meu agrado e chegarão ao amor de amizade. Manifestar-me-ei a eles. Dizia Jesus: "Quem me amar, será um comigo; revelar-me-ei a ele e moraremos juntos" (Jo 14,21.23). A amizade íntima consiste nisto: que são dois corpos, mas uma só alma no amor, pois o amor transforma (o amante) na coisa amada. E quando (os amigos) se tornam uma só alma, entre eles já não haverá segredos. Por isso dizia meu Filho: "Virei e moraremos juntos".

 



Sabes como é que me manifesto à pessoa que realmente me ama conforme o ensinamento de Cristo? Nela eu revelo meu poder de muitos modos, de acordo com seus desejos. São três as modalidades principais: 1) manifesto minha afeição e caridade por meio do Verbo encarnado, cuja caridade se revelou através do sangue derramado num incêndio de amor. Esta minha manifestação é dupla: de modo geral, naqueles que se encontram na "caridade comum", levando-os a reconhecer meu amor em numerosos favores; e de modo especial, naqueles que se tornaram meus amigos; estes últimos, com acréscimo aos sentimentos íntimos com que saboreiam, conhecem, experimentam e sentem na caridade comum. 2) manifesto minha caridade através das próprias pessoas. Não faço acepção de pessoas, mas olho o desejo santo de cada uma e manifesto-me em conformidade com a perfeição com que a pessoa me procura. Às vezes - e trata-se ainda desta segunda modalidade - concedo o espírito de profecia, com a revelação de acontecimentos futuros. Isso acontece de muitas maneiras, segundo as necessidades que vejo na própria pessoa ou na sociedade. 3) de muitos modos, segundo as aspirações e desejos da pessoa, faço estar presente no seu espírito o meu Filho unigênito: às vezes, quando procura conhecer meu poder durante a oração e eu atendo, revelando minha força; outras vezes, ao querer a sabedoria do Filho, e eu o ponho como objeto de seus conhecimentos; por fim, ao desejar-me na clemência do Espírito Santo, e isto me possibilita revelar meu amor levando a alma à prática do bem, com grande caridade pelo próximo.

Como vês, meu Filho dizia uma verdade, quando afirmava: "Quem me ama será um comigo". Ao viver sua mensagem, estais unidos a ele e a mim, pois eu e ele somos um. Nele, manifesto-me. Se ele dizia: "Eu manifestar-me-ei a vós", falava com exatidão. Ao se revelar, revela-me.

Qual seria o motivo por que não disse: "Eu revelar-vos-ei meu Pai? A razão principal é tríplice: Em primeiro lugar quis dizer que eu e ele não somos separados um do outro. Quando o apóstolo Filipe lhe pediu: "Mostra-nos o Pai e isto nos basta" (Jo 14,8), respondeu: "Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14,9). Disse assim porque é um comigo. O que ele é, recebeu de mim. Em tal sentido, ensinava aos judeus: "Minha doutrina não é minha, mas do Pai que me enviou" (Jo 7,17). É que o Filho procede de mim; não o contrário! Sou um com ele e ele comigo. Por isso não falou: "Manifestarei o Pai", mas "eu manifestar-me-ei". Em segundo lugar, porque ao manifestar-se a vós nada mais fazia do que mostrar quanto recebera de mim, como que dizendo: "O Pai se manifestou em mim porque sou um com ele; por meio de mim, nós dois nos revelamos". Em terceiro lugar porque, sendo eu invisível, não posso ser visto por vós neste mundo. Quando vossa alma se separar do corpo, espiritualmente vereis a mim e ao Verbo até a ressurreição final. Já o disse ao tratar da ressurreição (14.7). Tal qual sou, não podeis ver-me. Para vos ajudar, escondi a divindade sob o véu na natureza humana em Cristo. Invisível, tornei-me como que acessível aos vossos olhos. Cristo me manifesta. Por isto não dizia: "Eu manifestarei o Pai", mas: "Eu manifestar-me-ei a vós", como que para significar: "Eu manifesto-me a vós de acordo com quanto o Pai me deu". Como percebes, meu Filho se manifesta ao me revelar. Não dizia: "Eu vos manifestarei o Pai", porque vós, no corpo mortal, não sois capazes de ver-me; além disso, porque ele e eu somos uma só coisa.

18.2 - A caminhada para o amor amizade.

Vês assim a que alturas chega o homem que atingiu o amor-amizade. Depois de ultrapassar o primeiro degrau, os pés de Cristo crucificado, atinge o segredo do coração, isto é, o segundo degrau, conforme representei o corpo de meu Filho.

Disse antes (16.1) que os degraus figuravam as três faculdades; agora mostro como significam (também) as três fases pelas quais passa o homem. Mas antes de ocupar-me do terceiro degrau - que é o da boca de Cristo - quero explicar-te qual a caminhada para o amor-amizade (18.2), como é vivido tal amor (18.3) e quais são os sinais reveladores da sua presença (18.4).

Relativamente ao modo como se chega ao amor-amizade e filial, dá-se da seguinte maneira: inicialmente imperfeito, o homem vive no amor servil; com a perseverança e esforço, chega ao amor interesseiro das consolações (espirituais) no qual se compraz olhando-me como algo útil para si mesmo. Tal é o roteiro para quem quer chegar ao amor-amizade e filial. Este último é o amor perfeito; com ele alcança-se a herança do reino. O amor filial inclui o amor-amizade; nesse sentido se passa do amor-amizade ao amor filial. Mas qual é a estrada? Vou dizê-lo.

Toda perfeição e virtude procede da caridade; a caridade alimenta-se de humildade; a humildade nasce do autoconhecimento e da vitória sobre o egoísmo da sensualidade. Para se atingir o amor filial é necessário pois, perseverar na cela do autoconhecimento. Nesta cela o homem conhecerá o meu perdão através do sangue de Cristo e atrairá sobre si pelo amor a minha caridade, procurará destruir em si toda má vontade espiritual e temporal. Fará como os apóstolos e Pedro que, depois da negação, chorou. Era um pranto imperfeito, que imperfeito permaneceu durante os quarenta dias que precederam a Ascenção. Depois que Jesus subiu ao Céu em sua humanidade, Pedro e os demais (apóstolos) fecharam-se no Cenáculo, esperando a vinda do Espírito Santo segundo a promessa feita por meu Filho. Ali permaneceram com as portas fechadas, cheios de medo, como acontece a todo homem antes de chegar ao verdadeiro amor. Ficaram perseverantes na oração humilde e contínua, até receber a plenitude do Espírito Santo. Então, livres do temor, passaram a seguir e pregar Cristo crucificado.



Também o homem que deseja atingir tal perfeição, por medo do castigo começa a chorar depois de abandonar o pecado mortal pelo arrependimento; em seguida, eleva-se à consideração de minha misericórdia, e nisto encontra consolação e prazer. É algo ainda imperfeito. Para que se encaminhe à perfeição, após os "quarenta dias" - que são os dois primeiros estados - aos poucos vou me afastando da alma quanto às consolações, sem retirar-lhe a graça.

Foi quanto Jesus revelou aos discípulos, ao dizer: "Irei e voltarei a vós" (Jo 14,27). Tudo quanto ele dizia a eles em particular, afirmava-o igualmente para todos os seus contemporâneos e às gerações futuras. "Irei e voltarei a vós", disse ele; e o fez. Voltou, quando o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos. De fato, já te disse (12.5) que o Espírito Santo não vem sozinho, mas com meu poder, com a sabedoria do Filho e com a própria clemência, pois ele procede do Pai e do Filho.

Pois bem, afirmo-te que, para libertar o homem da imperfeição (do amor servil e interesseiro), afasto-me da alma quanto às consolações. Quando se achava no pecado mortal, o pecador estava longe de mim; por sua culpa, eu me afastara dele quanto à graça. Havia-se fechado a porta do desejo por culpa sua, sem responsabilidade do sol divino. Ao tomar consciência das próprias trevas, ele abre as janelas, "vomita" a podridão do pecado na santa confissão, e então, pela graça, volto à sua alma. Se me afasto, é quanto às consolações, não quanto à graça, no modo explicado acima. Ajo assim para que a pessoa se humilhe, procure-me com empenho, seja provada quanto à fé e se torne prudente. A tais alturas, se o cristão me amar desinteressadamente, com fé viva e desapego de si, alegrar-se-á nas adversidades, achando-se indigno de viver no sossego e descanso da mente. Mas este já é o segundo assunto dos três que falei antes (18.2).
  
18.3 - Como se vive o amor-amizade

18.3.1 - A vigília de oração

Eis o que faz a pessoa que chegou (ao amor-amizade): Ao perceber que me ausentei quanto às consolações, não cai em desânimo. Persevera humildemente no esforço pelo autoconhecimento, certa de que o Espírito Santo virá. Como o espera? Sem ociosidade, em contínua vigília de oração. Será uma vigília exterior e interna, no sentido de que a inteligência não se feche, mas reflete sob a luz da fé. Assim a pessoa evita as distrações do coração, medita sobre a bondade do meu amor, compreende que nada mais desejo que sua santificação. Disso é garantia o sangue do meu Filho. Como o pensamento está vigilante no conhecimento de mim e de si, a alma ora continuamente. É a "oração contínua", a oração da vontade santa e boa. A pessoa permanece também na oração exterior, feita nos tempos determinados conforme as prescrições da santa Igreja. Tal é o comportamento do homem que da imperfeição chegou à perfeição!

Para que a alma atingisse esse grau, dela me afastara quanto às consolações. Outro motivo da ausência destas consolações é este: para que o homem, vendo-se na secura, sofra, perceba a própria debilidade, instabilidade e falta de perseverança; em outras palavras, veja e conheça o próprio defeito, descubra em si a raiz do egoísmo. É para que a pessoa se conheça e se supere, suba à cadeira da própria consciência, corrija todo sentimento falso, destrua as raízes do egoísmo com o desapego de si e o amor pelo bem.

É bom que compreendas o seguinte: qualquer imperfeição e perfeição são adquiridas e manifestadas, seja em mim como no próximo; compreendem-no os simples, que muito amam as pessoas no espírito. Se acolhem o amor por mim desinteressadamente, desinteressadamente também amam o próximo. Pode-se comparar a uma vasilha: retirada cheia de uma fonte, se alguém dela beber, ficará vazia; mas se alguém enquanto bebe a conserva na fonte, jamais se esvaziará, estará sempre cheia. Assim, o amor humano e espiritual pelo próximo, deve realizar-se em mim, sem outros interesses.

Eu vos peço que me ameis com a mesma caridade com que vos amo. Tal coisa não podeis realizar diretamente a meu respeito, pois eu vos amei antes de ser amado. Qualquer ato de amor vosso de amor por mim é devido, não gratuito; sois obrigados a me querer bem. Eu amo-vos espontaneamente, sem qualquer obrigação. Não, relativamente a mim não tendes a possibilidade de cumprir o amor que peço! Por isso, dei-vos um meio: o próximo. Com referência a ele podeis fazer o que é impossível para comigo, podeis amá-lo gratuitamente, sem interesses pessoais. Ora, considero feito a mim o que fazeis para os homens. Foi isso que meu Filho deu a entender a Paulo que perseguia os cristãos, dizendo-lhe: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" (At 9,4); meu Filho considerava realizada contra mim a perseguição feita contra os cristãos.

Há de ser desinteressado o amor pelo próximo; deveis amá-lo com a mesma caridade que me amais. Sabeis como uma pessoa percebe que seu amor espiritual pelos outros é imperfeito? Se fica triste ao notar que aquele que é amado não corresponde com a mesma intensidade de amor, evita sua companhia, não procura agradar, demonstra maior atenção para com outros. Semelhante tristeza evidencia que a caridade por mim ainda é fraca; mostra que o cristão ainda está "bebendo" fora de mim, mesmo que seu amor provenha da minha caridade. Quando o amor para comigo é imperfeito, imperfeita se mostra a caridade para com o próximo espiritualmente amado. A razão de tudo é o egoísmo, cuja raiz ainda não foi arrancada. E eu permito essas coisas, para que o cristão reconheça sua imperfeição.

A ausência de consolações acontece para que o homem se feche na cela do autoconhecimento, lugar onde se adquire a perfeição. quando retorno com as consolações, darei maior luz e conhecimento da verdade, de modo que considerará como uma graça poder destruir o egoísmo; já não cessa de podar a vinha da própria alma, de arrancar os maus espinhos que são os maus pensamentos, de assentar as virtudes no sangue de Cristo, conforme as encontrou ao seguir as pegadas de sua ponte. Acima já ensinei (12.3), se bem recordas, que as pedras da ponte-mensagem de Cristo eram as suas virtudes, cimentadas com sangue, pois é do sangue que elas retiram a vida. Quando o homem penetra e caminha na mensagem de Cristo, passa a amar a virtude e a odiar o pecado com grande perseverança, separa-se inteiramente da mundanidade e fecha-se na cela do autoconhecimento.

Por que se fecha? Porque conhece a própria imperfeição; também pelo desejo de atingir o amor desinteressado e livre, pois sabe perfeitamente que não existe outro modo de consegui-lo; desse modo espera com fé viva meu retorno com maior infusão de graça.

Em que consiste a fé viva? Consiste na prática perseverante das virtudes, em não voltar atrás por motivo algum, em não deixar a oração jamais - exceto por obediência ou caridade -, pois nenhuma outra razão existe. Digo isto porque muitas vezes, durante o tempo reservado à oração, o demônio se apresenta através de muitas tentações e dificuldades, mais do que acontece em outras ocasiões. Para que o orante sinta tédio na oração, sugere-lhe: "Tua súplica para nada serve, pois quando oras não deverias preocupar-te senão com aquilo que dizes". Sua intenção é cansar a pessoa, confundi-la e fazer com que abandone o exercício da oração. No entanto, a prece é a arma com que o homem se defende de todos os inimigos, se realizada com amor, espontaneidade e fé.

Filha querida, convence-te de que é na oração contínua, fiel e perseverante que todas as virtudes são adquiridas. Mas é preciso perseverar, nunca a deixar: nem por ilusão do diabo, nem por fraqueza pessoal, quais sejam os pensamentos e impulsos íntimos; nem por "conselhos" alheios. O demônio frequentemente se põe nos lábios das pessoas, levando-as a afirmativas que destroem a oração. Tudo isso há de ser vencido perseverantemente. Como é agradável ao orante e a mim a prece feita na cela do autoconhecimento. Ali o homem crê e ama na abundância do meu amor, que em meu Filho tornou-se visível e provada no sangue. Sangue que inebria a alma, reveste-a com chamas do amor divino, eucaristicamente a alimenta. Foi na despensa da hierarquia eclesiástica que eu guardei o corpo e sangue do meu Filho, perfeito homem e perfeito Deus, pois entreguei aos sacerdotes a chave do sangue a fim de que o distribuíssem. Já te falei sobre esta despensa (12.3), construída sobre a ponte-Cristo para alimentar e fortificar os viandantes e peregrinos que caminham segundo a mensagem de meu Filho, impedindo que morram de fome. Tal alimento fortifica de acordo com o amor de quem o recebe, seja sacramentalmente, seja espiritualmente.

Sacramentalmente, na comunhão eucarística; espiritualmente, ao se comungar pelo desejo da eucaristia ou meditando-se a paixão de Cristo crucificado. Esta última é uma comunhão de amor no sangue, que por amor foi derramado; nela a pessoa inebria-se, inflama-se, fica saciada no desejo santo, cheia de amor por mim e pelos homens. Mas, onde se alcança tudo isso? Na cela do autoconhecimento e na oração, quando o homem deixa de ser imperfeito, como aconteceu com os discípulos e Pedro ao atingirem a perfeição. Quais são os meios necessários? A perseverança e a fé.

Não creias que para alcançar tamanho fervor e tal alimento espiritual, baste a oração vocal. Muitos pensam que seja assim. Sua oração é constituída mais de palavras que de amor. Parece que a nada mais aspiram que recitar muitos salmos e pai-nossos! Quando atingem um determinado número, dão-se por satisfeitos. Para eles, a finalidade da oração está na recitação verbal. Não haveria de ser assim. Nada praticando além disso, tais pessoas pouco aproveitam e pouco me agradam.

Dirás: "É preciso então abandonar tal oração, mesmo que nem todos pareçam atraídos pela oração mental?" Não, mas é preciso progredir. Sei que o homem, antes de chegar à perfeição é imperfeito. É normal que sua oração comece deficiente. Durante tal fase imperfeita, o orante deverá ocupar-se na prece vocal para não cair na inatividade. Mas, mesmo então, sua oração de palavras não deve ser feita sem a oração do espírito. Enquanto pronuncia as palavras, eleve seu pensamento até mim, considere seus defeitos em geral, medite sobre a paixão de meu Filho. No sangue de Cristo encontrará a plenitude do amor e a remissão dos pecados. Ao tomar consciência dos próprios defeitos, reconhecerá minha caridade e será ajudado a perseverar na oração.

 

18.3.2 - Desapego das consolações.

Deve o cristão entusiasmar-se varonilmente pela oração que é uma verdadeira mãe. Isto acontece quando ele se fecha na cela do autoconhecimento, depois de atingir o amor-amizade e o amor filial. Quem não percorre tais etapas, permanecerá sempre na tibieza e na imperfeição, amando a mim e ao próximo por interesses pessoais, na procura de consolações. Sobre tal amor imperfeito quero discorrer agora, sem ocultar-te uma ilusão decorrente desse apego às consolações.

Desejo que o saibas: o servidor que me ama na imperfeição procura mais as consolações sensíveis que a minha divindade. É a atitude da pessoa que se perturba quando desaparecem o prazer espiritual e a tranquilidade de vida. Muitos vivem virtuosamente quando estão na prosperidade; desorientam-se na prática da virtude se lhes mando alguma dificuldade. Quando alguém lhes pergunta: Por que está perturbado?", respondem: "Porque estou em tal ou tal contrariedade; parece-me que estou perdendo o pouco de bem que faço. Já não tenho aquele entusiasmo e aquele amor de antes, por causa desta dificuldade. Acho que, na tranquilidade anterior, tirava mais proveito que agora.".

Enganam-se tais pessoas relativamente àquela "tranquilidade anterior". Não é a contrariedade que lhes traz menor amor e menor dedicação. Em si mesmas, as ações possuem idêntico valor na aridez de espírito e no fervor. Aliás, com a aridez as ações podem até valer mais, se as pessoas tivessem paciência. Mas elas se perturbam, pelo fato que antes sentiam maior prazer. Na verdade, antes me amavam pouco e viviam com a consciência tranquila na prática de pequenas boas obras. Retirado o ponto de apoio, creem ter perdido o sossego do próprio agir. Com tais pessoas acontece como ao jardineiro, satisfeito no seu trabalho por causa do prazer que sente. Labutar no jardim parece-lhe um descanso; estar no meio das flores, uma satisfação. De fato, ele se alegra mais com as flores do que com o trabalho. Se lhe retirarem as flores, o prazer acabará. Também aquelas pessoas! Se sua principal alegria se concentrasse na prática do bem, não cairiam na perturbação. Alegrar-se-iam até, pois quem realmente deseja uma coisa jamais poderá ser impedido de realizá-la; mesmo que a privem da satisfação que acompanha sua atividade, como no caso das flores. Enganam-se essas almas colocando o alicerce de suas atividades nas consolações, pois dizem: "Antes de entrar nesta aridez, eu agia melhor e com mais prazer; a prática do bem me ajudava. Agora já não me favorece, não sinto mais gosto".

É errado tal modo de pensar e falar. Nada diminuiria em tais almas, se elas se comprazessem no agir virtuosamente por causa da virtude em si, até acresceriam seus esforços. Na realidade agem por egoísmo e então tudo se acaba. Tal é o engano em que caem muitos na vida virtuosa, proveniente das consolações sensíveis.

Costumo recompensar toda boa ação e com maior ou menor liberalidade conforme a medida do amor de quem a pratica; por isso, concedo consolações espirituais aos meus servidores imperfeitos, durante a oração. Ajo de tal forma, não para que apreciem tais satisfações erroneamente, isto é, atribuindo maior valor ao dom que ao doador, que sou eu. Meu desejo é que tomem consciência do meu amor e da própria indignidade, deixando o prazer em segundo plano. O engano consistirá em agir diversamente.    

18.3.2.1 - A rotina das consolações.

Um primeiro engano consiste na procura de determinada satisfação espiritual para nela se comprazer. Tendo-a experimentado antes, a pessoa começa a agir sempre do mesmo jeito para obter idêntico prazer. Na verdade, eu não sigo sempre as mesmas estradas, como se fosse coagido a dar consolações e gostos. Concedo-as diversificadamente segundo meu beneplácito e as necessidades humanas. Mas há gente sem discernimento, que continua a procurar a consolação naquele modo, com a pretensão de impor leis ao Espírito Santo. Atitude errada! Deveriam isto sim, caminhar varonilmente pela ponte-mensagem de Cristo crucificado, aguardando os dons na modalidade, tempo e lugar que eu quisesse enviar. Se nada concedo, faço tal coisa por amor, nunca por maldade. Quero que os homens me procurem por mim mesmo, não por motivo das consolações que propicio; quero que acolham humildemente meu amor sem pensar muito nas satisfações. A atitude contrária produz sofrimento e perturbação no momento em que faltar a consolação, objeto de tanta preocupação. Tais pessoas querem conforto sob medida; tendo experimentado um prazer espiritual, pretendem repetir a mesma sensação. Alguns são de tal modo ignorantes que, se os visito de um modo diferente, recusam-me! Somente aceitam aquela modalidade costumeira. É um defeito inerente à própria paixão e defeito espiritual em si; é uma ilusão, pois como não pode alguém deter-se num único método, mas haverá de progredir na virtude ou voltar atrás, assim não pode o espírito fixar-se num determinado gozo espiritual por mim concedido, como se minha bondade não pudesse dar outro.

Concedo consolações de diversas maneiras: uma vez será contentamento; outra vez arrependimento que agita interiormente; vezes há que me torno presente na alma sem que ela o perceba, pois faço estar no espírito a pessoa de meu Filho em vários modos: ora sentirá na profundidade da alma grandíssimo prazer, ora nem o perceberá, como se poderia esperar. Realizo todas essas coisas por amor; quero que o homem progrida na humildade, na perseverança; quero ensinar-lhe a não ditar regras (ao Espírito Santo), a não considerar as consolações como uma finalidade. Quero que alicerce em mim sua virtude; que aceite os acontecimentos e meus dons com humildade. Quero que acreditem no seguinte: que concedo as consolações espirituais de acordo com as necessidades da sua santificação e aperfeiçoamento.

18.3.2.2 - O egoísmo espiritual.

Acabo de falar sobre o engano em que caem aqueles que desejam viver interiormente consolados com minha presença. Passo a ocupar-me de uma outra ilusão: a das pessoas que colocam toda sua satisfação na busca das consolações e não socorrem os outros em suas necessidades espirituais ou materiais sob pretexto de virtude. Dizem assim: "Quando vou ajudar os outros, não consigo rezar as preces de horário". Acreditam ofender-me quando não sentem consolação interior. Na realidade enganam-se quanto ao sossego do espírito e ofendem-me muito mais não socorrendo o próximo, de que se de fato perdessem a paz da alma.

É meu desejo que todas as orações, vocais ou mentais, levem a pessoa ao perfeito amor por mim e pelo próximo. Dessa maneira, peca mais quem se descuida do amor pelo outro a fim de orar, do que aquele que, por causa dos outros, deixa de orar. No próximo, o homem sempre me encontra; não, porém, na satisfação pessoal em que me procura. A ausência de ajuda ao irmão, ipso facto faz diminuir a caridade fraterna e o amor por mim. Querendo ganhar, a pessoa sai perdendo. Mas ao "perder", ganha, isto é: ao renunciar ao conforto espiritual no esforço de salvar o próximo, lucra em mim e no próximo; ao prestar serviço ao outro na caridade, experimenta toda a doçura do meu amor. Pelo contrário, sai-se mal quando recusa auxiliar os demais. De fato, um dia ou outro terá que ajudá-lo, por amor ou por dever, seja nas enfermidades do corpo, seja do espírito. Então falo-á de má vontade, com tristeza íntima e remorso de consciência, tornando-se insuportável a si mesmo e aos demais. Em tal ocasião, se alguém lhe perguntar: "Por que estás tristonho?", responderá: "Porque perdi a paz e a tranquilidade de espírito; deixei de fazer muitos atos a que estava habituado e julgo que ofendi a Deus".

A realidade não é essa. Tal pessoa não sabe discernir onde se encontra realmente seu pecado, pois sua preocupação fixou-se na procura de consolações interiores. Oxalá entendesse que o pecado não está na privação do consolo espiritual, nem na ausência de oração quando alguém precisa de auxílio, mas na ausência de amor pelo outro, a quem é preciso ajudar por meu amor. Como vês, o engano consiste no egoísmo espiritual.

Outro tipo de egoísmo existe, semelhante, que pode causar prejuízos ainda maiores. Costumo dar a meus servidores gáudio espiritual e visões. Se alguém unicamente se preocupar na obtenção de tais favores, acabará por cair na amargura e no tédio no momento que notar sua ausência progressiva; cada vez que eu não o der, julgarão que perderam a graça. Já afirmei que costumo visitar e ausentar-me do homem no tocante às consolações - sem prejuízo do estado de graça - a fim de levar a pessoa à perfeição. Em tais circunstâncias, muitos mergulham na tristeza e sentem-se num inferno, porque não mais experimentam os prazeres da mente, substituídos pelo tormento das tentações.

Ninguém deveria ser tão ignorante assim, deixando-se ludibriar pelo egoísmo sem compreender a realidade. É preciso discernir quando estou presente, compreender que sou o sumo bem, aquele que dá a boa vontade no tempo das batalhas! Que não se fique correndo atrás de consolações! Humilhe-se o homem, considere-se indigno de viver no sossego e quietude de espírito. Aliás, é por isso que me afasto. Desejo que a pessoa seja humilde, que tenha consciência da minha caridade, que note a retidão interior que lhe concedo na hora da dificuldade. Quero que beba o leite espiritual não somente por borrifos na face da alma, mas sugando diretamente no coração do meu Filho. Juntamente com tal leite, quero que coma sua carne; que procure consolações no corpo do crucificado, vivendo sua mensagem, que transformei numa ponte que vos conduza até mim.

Eis as razões por que me afasto durante a aridez do espírito. Se os homens caminharem com prudência, não parando estupidamente na procura de consolações, retornarei depois com imensa delícia, força, luz, ardor de caridade. Os que sentirem rebeldia e tristeza pela ausência de consolações, pouco aproveitarão e continuarão em sua tibieza.

18.3.2.3 - O diabo em forma de luz.

Pode acontecer ainda que alguém caia num quarto engano, quando o demônio se apresenta em forma de luz. Costuma ele tentar os homens de acordo com as disposições espirituais que neles encontra. Por tal motivo, ninguém deve desejar satisfações e visões espirituais; aspire-se somente pela virtude. Na humildade, cada um se julgue indigno de tais coisas; se as receber, comporte-se segundo a caridade. O diabo é capaz de mostrar-se numa figura de luz, por vários modos, na alma de quem gulosamente sonha com visões. Umas vezes toma a figura de um anjo, outras vezes a semelhança do meu Filho, outras ainda como se fosse um dos meus santos. Dessa maneira, ele usa o anzol do prazer espiritual para atrair a alma, para prendê-la em suas mãos. A única solução em tais casos, é a humildade, pois o diabo não tolera o homem humilde. Somente a humilde renúncia a qualquer satisfação pessoal evitará que o diabo retenha a alma. Assim mesmo, tal renúncia deve estar acompanhada do amor; não do amor pelo dom, mas pelo doador, que sou eu.

Se me perguntares: "Qual sinal que nos indica que a 'visita' é do diabo e não tua?", respondo: "Se for o demônio em forma de luz, sua presença inicialmente produzirá alegria, mas pouco a pouco ela irá desaparecendo, até transformar-se em tédio, trevas e remorso de consciência. Ao contrário, se for uma visita minha, no começo a pessoa sentirá temor, um temor santo que depois lhe dará alegria, segurança e uma feliz prudência que, refletindo, não duvida. Dir-se-á: "Não sou digno de receber tua visita; como pode ela acontecer?" e projeta-se na imensidade do meu amor, ciente do bem que lhe posso fazer. Não tomo em consideração a indignidade humana, mas a minha bondade. É esta que, pela graça e demais favores, torna o homem apto a receber-me. Não desprezo a afeição com que ele me invoca. Acolhendo-me, diz a alma:"Eis a tua serva; faça-se a tua vontade" (LC 1,38), e ao encerrar a oração em que a visitei, conservará alegria e jubilo espiritual; por humildade sentir-se-á indigna, mas com amor reconhecerá minha presença.

São esses os sinais que ocorre tomar em consideração para distinguir quem visita a alma, se sou eu ou se é o demônio. Na minha visita, o orante começa pelo temor, passando depois à alegria e ao desejo de operar o bem; sendo o demônio, o primeiro impulso será de alegria, mas virão depois perturbação interna e trevas. Quem desejar progredir no amor seja humilde, prudente, não se engane. Perde a rota quem prefere navegar seguindo o amor imperfeito das consolações, e não a minha caridade.

Julguei oportuno tratar de tais enganos, nos quais costumam cair os cristãos da "caridade comum" que vivem com pouco esforço em tempo de consolações, e falar do egoísmo espiritual dos meus servidores diante do prazer espiritual. Estes últimos, com muito amor-próprio, às vezes se detêm na procura do prazer e não reconhecem seja minha caridade, seja onde estão seus pecados. Por fim, achei bom falar da ilusão do diabo, à qual se pode cair sob a responsabilidade do homem se ele não tiver discernimento. Ocupei-me de tais assuntos unicamente para que tu e meus servidores sejais virtuosos por causa do amor por mim. Estes ditos enganos acontecem com aqueles que me amam imperfeitamente, com aqueles que procuram o dom, não o doador. Quem vive na cela do autoconhecimento e se aplica a ir além do amor imperfeito, acolhe-me com carinho e suga em meu coração o doce alimento da mensagem de Cristo crucificado.

A alma que chegou ao terceiro estado - de amor-amizade e de amor filial - já não me ama interessadamente. Comporta-se como amigo íntimo. O amigo verdadeiro, ao receber um presente, olha primeiro para o coração e o amor do doador; depois examinará o objeto e o conservará como recordação. Esta é a atitude de quem chegou ao terceiro estado, o do amor perfeito; quando lhe concedo favores, não fica a pensar primeiro neles; seu pensamento se fixa na bondade do doador. Querendo evitar que os homens agissem diversamente, providenciei a identificação entre o dom e o doador, unindo a natureza divina com a humana e dando-vos meu Filho, o qual é uma só coisa comigo. Graças a tal união, não podeis deter-vos no dom sem ao mesmo tempo olhar para o doador, que sou eu.

Considera, pois, com que amor deveis desejar o dom e o doador. Fazendo assim, estareis no amor puro, desinteressado, não mercenário; estareis continuamente na cela do autoconhecimento.

18.4 - Os sinais da perfeição.

   Até agora eu te fiz ver, por diversos modos, como a alma supera o amor imperfeito e qual é seu comportamento quando chega ao amor-amizade e filial. Afirmei, e torno a repetir, a maneira consiste na perseverança e no autoconhecimento. Esse conhecimento de si, porém, deve ser acompanhado pelo conhecimento da minha bondade, sob pena de cair na perturbação interior. O autoconhecimento produz certo desprezo pelo apetite sensível e pelas consolações; tal desprezo, alicerçado na humildade, gera a paciência; esta, por sua vez, fortifica o homem na luta contra o demônio, as perseguições humanas, e regula seu comportamento para comigo no momento em que eu retirar o fervor espiritual. Tudo isso é tolerado com paciência. Se a sensualidade quiser incomodar, revoltando-se contra a razão, então a consciência agirá como juiz e fará a racionalidade prevalecer, coibindo os impulsos errados. Infelizmente há pessoas que, ao dominar a sensualidade, exageram e são radicais, tanto no que se refere aos impulsos maus como às inspirações mandadas por mim. Disto falava Gregório, meu servidor, dizendo: "A consciência delicada põe pecado onde ele não ocorre. Quem pretende vencer a imperfeição deverá agir da seguinte forma: sob a luz da fé, enclausura-se no conhecimento do próprio nada, imite os apóstolos que permaneceram no Cenáculo, perseverantes na oração humilde e contínua, até a vinda do Espírito Santo. Como já disse, o comportamento de quem supera o amor imperfeito é o seguinte: fecha-se em casa para dela sair na perfeição; ali permanece em vigília de oração, conservando o pensamento fixo na mensagem do meu Filho, examina-se orando e, com o desejo santo, humilha-se diante das obras que opero em sua pessoa.

18.4.1 - Efusão do Espírito Santo.

   Resta-me falar sobre os sinais reveladores de que alguém atingiu o amor perfeito. Pois bem, o sinal é o mesmo que aconteceu aos apóstolos, após terem recebido o Espírito Santo: saíram do Cenáculo pregando a mensagem do meu Filho. Já não temiam os sofrimento, gloriavam-se até de padecer, não se preocupavam ao enfrentar os tiranos deste mundo, dizendo-lhes a verdade e promovendo a minha glória e louvor.

   Quando uma pessoa entra para a vigília do autoconhecimento, segundo a maneira que expliquei, retorno a ela com a chama do meu amor. Durante essa amorosa vigília, ela adquire as virtudes na perseverança; participa do meu poder e domina a própria sensualidade; participa da sabedoria do Filho, que lhe permite conhecer a verdade, a falácia das consolações, a maldade enganadora do demônio. Tudo isto a faz superar a imperfeição e aderir ao amor perfeito, participando do próprio Espírito Santo, que é o Amor. Sua vontade é fortalecida para suportar os sofrimentos, com a coragem de sair de si mesma em meu nome e trabalhar em favor do próximo. No apostolado, tal pessoa não abandona a cela do autoconhecimento. Suas virtudes se exteriorizam por diversas formas, reversando-se sobre o próximo necessitado. O temor que retinha os imperfeitos, o medo de perder as consolações sensíveis desaparecem. Ao atingir o perfeito amor, o homem sai de si mesmo, abandona o próprio modo egoísta de viver.

   Tal atividade faz passar ao quarto estado. Do terceiro estado - que é o perfeito e no qual a pessoa saboreia e pratica a caridade fraterna - passa ao último, o da perfeita união. Estes dois estados - o terceiro e o quarto - estão intimamente unidos entre si; um não existe sem o outro, tal como acontece com o amor pelo próximo e o amor por mim. É quanto vou demonstrar, falando do terceiro estado.

18.4.2 - Compreensão da caridade de Cristo.

   Disse que o sinal de que alguém superou a imperfeição e atingiu o amor perfeito é a "saída de si mesmo". Presta atenção e considera como essas pessoas caminham rápidas pela ponte-mensagem de Cristo crucificado, que foi na terra vossa norma, caminho e verdade. Elas não me olham à maneira dos imperfeitos. Estes, como temem os sofrimentos, amam-me porque em mim não acham a dor. Na realidade não procuram a mim, mas querem as consolações que em mim encontram. Os perfeitos agem de outro modo; como que embriagados e inflamados de caridade, percorrem os três degraus, por mim simbolizados antes (16.1) nas três faculdades da alma, e que agora apresento na figura do corpo de Cristo crucificado: subiram aos pés de Cristo pelo duplo amor da alma e chegaram ao costado, onde descobrem o "segredo" do coração e o valor do batismo na água. Compreendem que este alcança seu valor no sangue de Cristo, pois pela graça batismal a alma fica unida e amalgamada no sangue.

   Sim, é no costado de Cristo que o homem entende essa realidade: é aí que ele toma consciência da grandeza do amor divino. Se bem te lembras, foi quanto te mostrou certa vez, meu Filho Jesus. Tu lhe perguntaste: "O Cordeiro bondoso e imaculado, já estavas morto quando te abriram o costado. Por que razão quiseste que teu coração fosse ferido e aberto?"

Ele respondeu:

   "As razões são muitas. Vou dizer a principal. Meu amor pela humanidade é infinito, mas o sofrimento não o era. Desse modo, o padecimento corporal não era capaz de revelar meu amor sem medidas. Foi para que se manifestasse esse segredo do coração, que o costado foi aberto. Com isso, compreenderíeis mais de quanto dizia o conhecimento externo. Quando permiti que jorrasse sangue e água, fiz ver que o batismo na água recebe sua força na paixão. Existem dois modos de se "batizar" no sangue: o primeiro é o daqueles que derramam o seu sangue por mim; tal batismo vale, mesmo que não seja possível batizar-se na água. O segundo, é o batismo feito no fogo, pelo desejo não realizado de receber o batismo na água; também neste caso só se dá o batismo na virtude do sangue e do amor que se entrelaçam, pois o sangue foi derramado por amor.

Um terceiro modo de batizar-se no sangue - mas em sentido figurado - foi providenciado pelo Pai, o qual reconhece a fraqueza humana. Costuma o homem cair em pecado mortal embora nenhuma força externa, graças à sua liberdade, o possa obrigar, incluindo a própria fraqueza. Pelo pecado mortal a pessoa perde a graça batismal; como remédio, o Pai deixou a penitência, que constitui um perene batismo no sangue. Ela é recebida mediante a contrição e confissão dos pecados aos ministros; possuindo a chave do sangue, eles, pela absolvição, o derramam na face da alma. Sendo impossível a confissão, basta a contrição interior, pois com ela o meu Espírito vos dá o perdão. Mas se a confissão for possível, quero que a façais; não recebe perdão aquele que, podendo fazê-lo, não a procura. É verdade que poderá obter o perdão no último instante da vida aquele que desejar confessar e não o conseguir; mas ninguém será tão louco para confiar nessa possibilidade, deixando para resolver seus problemas na hora da morte. Ninguém pode ter a certeza de não cair na obstinação, de modo que por justiça eu lhe diga: "Não te lembraste de mim durante a vida, no tempo oportuno; também eu não me recordo de ti na hora da morte".

Portanto, não se deve deixar para depois. E se algum de vós retardou (a penitência) por imperfeição, não deixe tal batismo para o derradeiro momento. Como vês, a penitência é um "batismo" perene. Nele o homem deve ir se batizando até o fim da vida. A confissão manifesta como a minha morte na cruz foi um ato finito, mas com efeitos infinitos para vós. Qual Verbo encarnado, eu suportei o sofrimento; pela união das duas naturezas, a divindade eterna assumiu tudo o que padeci com imenso amor. Neste sentido, pode-se afirmar que minha dor foi infinita, embora não tenham sido assim a dor corporal e a pena do desejo que eu tinha de remir o mundo, pois cessaram com a morte. Quanto ao perdão, fruto daquele sofrimento, foi infinito,  como tal o recebeis. Em caso contrário, a humanidade presente, a passada e a futura ainda estariam no seu pecado, e pecador algum receberia o perdão. Eis quanto eu manifestei na chaga do meu peito, no momento em que compreendeste o segredo do meu coração. Fiz ver que meu amor por vós é mais profundo de quanto possa indicar a dor passageira. Aliás, a minha misericórdia continua a revelar-se através da confissão, este "batismo" no sangue que deveis receber com amor, visto que por amor foi versado. O mesmo acontece com o batismo da água, oferecido a quantos o querem ter, pois a água está unida ao sangue e ao fogo do amor. Por ocasião do batismo de água, a alma reveste-se de sangue; é o que fazem ver o sangue e a água que escorreram do costado aberto".   

18.4.3 - Impulso ao apostolado na paciência.

Com tais expressões atendi ao teu pedido (ver 15). O que acabo de dizer foi uma resposta que meu Filho te deu e eu falei na sua pessoa, para compreenderes a dignidade do homem que atinge o segundo degrau - o coração de Cristo - nele adquirindo imenso amor. Tal pessoa passa imediatamente ao terceiro degrau - a boca do Crucificado. Como o faz? Pelo coração! Ela pensa na paixão de Cristo e rebatiza-se no sangue; supera a imperfeição do amor pela caridade cordial; compreende, saboreia, experimenta a chama da minha caridade. Ao atingir a boca de Cristo, tais pessoas revelam-no exercendo a função própria da boca. Vejamos.

A boca fala, saboreia os alimentos, abastece o estômago, tritura com os dentes antes de deglutir. O mesmo acontece com o homem perfeito. Ele fala comigo pelo desejo santo, o qual constitui uma contínua oração. Em sua "fala" espiritual, apresenta-me amorosos anseios pela salvação dos homens; com o uso da palavra anuncia a mensagem do meu Filho, dá conselhos, professa a fé sem medo algum de perseguições, testemunha a todos conforme a condição de cada um. Tal pessoa conquista muitas almas na mesa da santa cruz, após ter superado todas as dificuldades com as armas do desejo santo, que são o desapego de si mesma e o amor pelo bem. Ela vence todas as contrariedades, isto é, as caçoadas, as traições, os aborrecimentos, as acusações falsas, as perseguições; passa fome e sede, frio e calor; terríveis ansiedades, lágrimas e suor - tudo isso pela salvação dos homens. Tais sofrimentos são superados no intuito de louvar-me e sem revoltar-se contra os responsáveis. Após ter triunfado sobre tais contrariedades, o cristão perfeito saboreia os frutos dos seus cansaços, sente o prazer de ter salvado pessoas, goza a felicidade de amar-me e de amar os outros. Assim tudo isso chega ao seu coração, já bem disposto pelo desejo santo. Com amor cordial, a pessoa se alegra e interiormente "rumina" com prazer, esquecida das exigências da vida corporal, toda presa à mensagem de Cristo crucificado. Por fim, o homem perfeito se enriquece pela abundância do alimento, rompe a veste da sensualidade, que é o corpo, o qual envolve a alma, e a destrói. Morre, assim, a "vontade" sensível, morre, porque a vontade ordenada está viva em mim. É o que acontece com o homem que atinge o terceiro degrau atual, a boca do Crucificado.

Sinal de que se chegou a esse ponto é o seguinte: ao ter a experiência da minha caridade, desaparece a vontade própria e a pessoa goza de paz e tranquilidade interior. Imensa é a paz adquirida neste terceiro degrau atual; realmente é na boca que se dá a paz. Uma paz tão grande, que nenhum acontecimento a consegue perturbar. A vontade própria afogou-se, morreu; ficam a paz e a quietude. Quem chega a este degrau não sente dificuldades no praticar o bem ao próximo. Continuam dolorosos os seu sofrimentos, mas já não atingem a vontade própria, que morreu. De boa mente suporta dificuldades por minha causa, vive a mensagem de Cristo crucificado, não desanima diante de injúrias, perseguições ou atrativos do mundo. Tudo vence com fortaleza e perseverança; conforma-se à minha vontade, vive de trabalhar pelos outros. Sim, a paciência é o sinal definitivo de que alguém me ama com perfeição, desinteressadamente. Os perfeitos são pacientes, fortes na luta e perseverantes, pois me amam enquanto suma bondade, digna de amor, e amam a si mesmos e ao próximo por minha causa.

Paciência, fortaleza, perseverança - eis as três virtudes, alicerçadas na caridade e iluminadas pela fé, que fazem o homem andar na verdade, sem trevas. O desejo santo eleva os perfeitos; já ninguém os consegue destruir: nem o demônio com suas tentações, nem os homens com seus ataques. O mundo, ao persegui-los, na realidade os teme. Os perfeitos tornaram-se pequeninos pela humildade; costumo permitir dificuldades para fortalecê-los e engrandecê-los diante de mim e do mundo. Podes comprová-lo em meus santos: como se fizeram pequeninos por minha causa, eu os engrandeci em mim e na Igreja, sendo seus nomes sempre lembrados; escrevi seus nomes no livro da vida; respeita-os o próprio mundo, por eles deixado.

O homem que se acha no terceiro degrau atual oculta por humildade, não por temor, as suas virtudes. Se alguém precisa de seus serviços, não se omite por medo de sofrimentos ou temor de deixar as consolações do espírito; ao contrário, serve aos outros, despreocupado de si mesmo. Quaisquer que sejam as condições de vida, tudo faz para me louvar, sempre alegre, na paz, na quietude de espírito. Qual a explicação? É porque não escolhe modalidades para me servir; serve-me na maneira que eu quero. Tanto lhe vale o tempo do fervor como o da aridez, tanto o momento da contrariedade como o das consolações. Para ele, tanto faz; em tudo só vê a minha vontade. Só deseja conformar-se comigo e em tudo encontra meu beneplácito.

O homem perfeito sabe que nada acontece sem eu querer, sem o mistério, sem minha providência. Menos o pecado, que é uma negação. Odeia, então, o pecado e respeita todo o resto. É firme, seguro em sua decisão de caminhar no caminho da verdade. Serve com fidelidade ao próximo, pouco lhe importando a ignorância e ingratidão alheias. Quando um maldoso o injuria e acusa por seu comportamento, logo se dirige a mim, orando por aquela pessoa. Fica mais ofendido porque a pessoa me ofende e se prejudica, do que pela injúria pessoal. Afirma, com o meu glorioso apóstolo Paulo: "O mundo nos amaldiçoa e nós bendizemos; nos persegue e nós agradecemos; expulsa-nos como lixo e escória do mundo, e nós com paciência suportamos" (1Cor 4,13).

Minha filha, são esses os sinais - sobretudo a paciência - que provam que uma pessoa superou o amor imperfeito e alcançou o perfeito, nas pegadas de meu Filho. Quando meu Filho estava retido na cruz pelos cravos do amor, os judeus lhe diziam: "Desce da cruz e acreditaremos em ti" (Mt 27,40-42), mas ele não cedeu; nem desanima agora pela vossa ingratidão. Cristo perseverou na obediência que lhe fora pedida; sua paciência foi tão grande, que nenhuma murmuração encontramos em suas palavras. Semelhante é o comportamento dos meu queridos filhos, os servidores fiéis, que vivem os ensinamentos e os exemplos de Jesus. Se o mundo procura dissuadi-los com atrativos ou ameaças, não recuam. Apenas querem atingir a meta, a minha verdade! Jamais abandonam o campo de trabalho para voltar à casa em busca da roupa (Mt 24,18), as roupas abandonadas anteriormente, mais própria para agradar às criaturas, que ao criados. Alegremente permanecem no campo da luta, inebriados no sangue de Cristo crucificado.

Foi meu amor que conservou este sangue na despensa jerárquica da santa Igreja, para animar quem deseja ser soldado destemido no combate contra a própria sensualidade, a carne, o mundo, o demônio. Armas dessa luta são o ódio por esses inimigos e o amor pela virtude. Tal amor servirá de escudo diante dos golpes. Por sua liberdade, o homem pode despojar-se dessas armas ofensivas e defensivas, caindo nas mãos inimigas por rendição voluntária. Inebriados no sangue, os perfeitos não agem assim; perseveram até o dia da morte, até que todos os seus inimigos sejam derrotados.

Ó paciência, virtude gloriosa, como és agradável! Como brilhas ante os olhos assombrados daqueles que desejam impedir que meus servidores participem da cruz. Qual resposta ao ódio deles, resplandece o amor de meus servidores que lutam por salvá-los. Em oposição à sua inveja, reluz a mansidão; diante das injúrias, a paciência impera como rainha. Ela é a medula do amor e domina sobre as demais virtudes. A paciência revela as virtudes do homem, pois mostra que elas se acham alicerçadas em mim, verdade eterna. A paciência sempre vence, jamais é vencida. Como ficou dito acima, ela subsiste ao lado da fortaleza e da perseverança, voltando para casa sempre vencedora! É assim que os perfeitos retornam a mim, Pai eterno, remunerador de todos os cansaços, quando regressam do campo da luta para receber a coroa da glória.


18.5 - Os perfeitíssimos.

Gostaria de falar-te agora do grande prazer que experimentam em mim tais pessoas, mesmo estando no corpo mortal. Ao chegar ao terceiro estado, como expliquei (18.4.1), nele alcançam o quarto. Não se trata de um estado distinto do terceiro, pois ambos são conexos; um não existe sem o outro, como acontece no amor por mim e pelo próximo. O quarto estado é mais uma consequência do terceiro, uma perfeita união comigo.

18.5.1 - Sua humildade.

Nesta união, o homem recebe um vigor extraordinário; não apenas sofre com paciência, mas deseja ardentemente padecer por minha glória e louvor. No quarto estado, ele se gloria nos sofrimentos de Cristo, à semelhança do glorioso apóstolo Paulo, que afirmava: "Eu me comprazo nas fraquezas e opróbrios de Cristo crucificado" (I Cor 12,10). E em outra passagem: "Trago em meu corpo os estigmas de Cristo crucificado" (Gl 6,17). Apaixonados por mim e sedentos da salvação dos homens, estes perfeitíssimos procuram a cruz, aspiram por sofrer muito para serem úteis aos outros. Tendo no corpo os estigmas de Cristo, anseiam por adquirir e conservar as virtudes. Em outras palavras: em seus olhos brilha o amor pelo sofrimento e por causa dele desprezam a si mesmos; alegram-se nas dificuldades; suportam varonilmente as contradições, seja qual for sua origem e modalidade. Para estes filhos queridos, a dor muda em prazer e os prazeres mundanos em cansaço. Por humildade e desapego, pouco valor atribuem em seus corações às satisfações da vida, quando sucede que os servidores do mundo - obrigados por mim - os respeitam e socorrem nas necessidades pessoais. Nem mesmo se apegam às consolações espirituais dadas por mim; por certo, não desprezam a graça e demais favores meus, mas sim o prazer que trazem. Tudo isto, como efeito da verdadeira humildade! Esta virtude origina-se do desapego de si mesmo e alimenta a caridade; supõe o autoconhecimento e o conhecimento do meu ser. Nos perfeitíssimos reluzem, pois, as virtudes e os estigmas de Cristo.

18.5.2 - Sua contínua união com Deus.

Destes perfeitíssimos não retiro as consolações espirituais, como fazia quando eram imperfeitos. Então, deixava neles a graça e retirava o prazer sensível. Agora, não ajo assim. Já tingiram grande perfeição, morreram inteiramente para si mesmos. Conservam sempre a graça com toda satisfação do espírito. Todas as vezes que desejam unir-se espiritualmente a mim, podem fazê-lo. Suas vontades se encontram num altíssimo grau de união com a minha; nada as consegue separar. Todo lugar é lugar, todo tempo é tempo de oração. Seu modo de viver desprendeu-se da terra, encontra-se no céu. Afastaram de si as afeições mundanas, bem como o amor sensível; galgaram as alturas na escada das virtudes, por aqueles degraus que figurei o corpo do meu Filho (12.1). No primeiro degrau, eles se libertaram do pecado; no segundo, saborearam o amor cordial, secreto, pelo bem; no terceiro, que é o degrau da paz e quietude do espírito, atingiram o perfeito amor. Neste último, repousam em minha verdade, descobrindo a mesa, o alimento e o servidor na mensagem de Cristo crucificado.

Eu sou a mesa. O Verbo encarnado é o alimento; seja porque nele esses meus filhos perfeitíssimos têm sede de almas, seja porque ele lhes foi dado como sustento. Em seu corpo e sangue, no sacramento eucarístico, recebe-se o perfeito Deus e o perfeito homem. Eu o dei para que vós, peregrinos e viandantes, não pareis de caminhar por fome, nem vos esqueçais do valor do sangue, derramado em vosso favor com imenso amor. Dei-o assim para que sejais fortes e vossa caminhada seja feliz. Servidor é o Espírito Santo, que concede aos perfeitíssimos favores e graça. Este amável servidor traz e leva; traz até mim os amorosos anseios e leva até eles o fruto do meu amor e de seus esforços, no qual se alimentam. Como vês, sou a mesa, meu Filho é o Alimento, o Espírito Santo que de nós procede é o servidor.

18.5.3 - São sofredores e felizes.

Os perfeitíssimos sentem-me continuamente presente em seus espíritos; quanto mais desapegados forem da satisfação pessoal e quanto mais amarem o sofrimento, menos dor e mais contentamento receberão. Por que motivo? Porque, consumidos no meu amor, destruíram a vontade própria. O demônio teme sua força, ataca-os de longe, sem ousar aproximar-se. Os homens podem ferir-lhes o corpo; julgam prejudicá-los, mas terminam por prejudicarem-se. As flechas, não encontrando por onde penetrar, retornam contra quem as desferiu. Isto acontece na sociedade humana, nas perseguições e maledicências; procura-se fazer o mal aos meus servidores, mas não se consegue. O interior de suas almas está protegido; os dardos, envenenados de culpa, voltam-se contra seus atiradores. Fere-se o corpo, não a alma, protegida por todos os lados, invulnerável.

O servidor perseguido sofre, mas é feliz. Sofre pela culpa do ofensor; é feliz pela união amorosa que mantém comigo. Ele imita o imaculado Cordeiro; ao ser crucificado, ele padecia e era feliz. Sofria ao carregar e suportar a cruz da dor e a cruz do desejo santo, querendo satisfazer pelos homens; era feliz, no sentido que a natureza divina não podia sofrer e tornava bem-aventurada a alma de Cristo, que contemplava sem véus. Sofredor e feliz, porque o corpo sofria, mas a divindade e seu espírito, não. A mesma coisa acontece com estes meus diletos filhos, ao atingir o o terceiro e quarto estado. Padecem fisicamente e no espírito, por tolerar dificuldades corporais de um lado, e a cruz do desejo do outro. A cruz do desejo é a dor cruciante causadas pelas ofensas cometidas contra mim e pela condenação eterna dos homens. Mas são felizes por ser impossível arrebatar-lhes o dom da caridade, verdadeira fonte de alegria e felicidade. Sua dor não é aflitiva, mas nutritiva, no sentido que alimenta a alma no amor. É dor que produz aumento e fortalecimento das virtudes.

Disse que se trata de dor "nutritiva", não "aflitiva". Realmente, já mais nada consegue afastar o servidor da fornalha, como acontece com as brasas incandescentes. É coisa impossível tocar num braseiro vivo. Assim estes filhos! Atirados na fornalha do meu amor, deles nada fica de fora: nenhum desejo. Tudo se inflama. Ninguém os conseguirá tocar, sem distanciar-se de minha graça. Tornaram-se uma só coisa comigo. Eu mesmo, já não me afasto deles pela aridez; fico continuamente presente em seus espíritos. Nos imperfeitos, vou e volto, como já disse (18.1.2), retirando as consolações sensíveis. Faço isso para aperfeiçoá-los. Mas quando chegam à perfeição, paro com esse jogo de amor, esse ir e voltar. Chamo-o "jogo de amor", porque é por amor que retiro as consolações e as dou de novo. Na realidade, não que eu me retire e retorne, pois sou imutável; o que vai e volta é a percepção do prazer que meu amor causa na alma.  

18.5.4 - A união extática.

Afirmei que os perfeitíssimos jamais perdem o consolo da minha presença. Afasto-me deles, porém, num outro sentido. Dado que a alma, ainda unida ao corpo, não consegue suportar continuamente a união comigo, afasto-me dos perfeitíssimos quanto a tal união, embora permaneça neles pela graça e pelas consolações do espírito. Impulsionado por grandes desejos de amar, o perfeitíssimo pratica as virtudes e caminha célere na mensagem de Cristo crucificado; elevando-se espiritualmente, atinge na caminhada da ponte aquela porta que é Jesus; inebria-se no sangue, arde no fogo da caridade, experimenta a minha própria divindade. Nesse oceano de paz realiza a união. Já não faz nenhum movimento fora de mim. Morando entre mortais, goza da felicidade dos bem-aventurados; no corpo, adquire a leveza dos espíritos angélicos. Frequentemente o corpo se eleva do chão pela força da união; torna-se leve. Seu peso natural permanece, mas a união da alma comigo fica mais profunda do que com o próprio corpo. Dessa forma, a força do espírito humano, unido a mim, eleva o corpo do chão. Fica imóvel, inteiramente arrebatado no anseio da alma. Algumas vezes chega-se a tal ponto - conforme algumas pessoas o disseram - que o corpo morreria, se não lhes fosse dadas forças para sobreviver. Afirmo-te mesmo que o fato de a pessoa não morrer em tal união é um milagre maior do que ressuscitar um morto!

Costumo fazer cessar durante algum tempo esse estado de união. A alma como que retorna ao corpo e este readquire suas sensações. Na realidade, a alma não estivera fora do corpo; a separação acontece unicamente por ocasião da morte. Foram as faculdades que ficaram alienadas devido ao ímpeto do amor: a memória de tudo se esquecera, menos de mim; a inteligência ganhara novas alturas na meditação sobre a minha divindade; a vontade; nas pegadas da inteligência, unira-se ao objeto da inteligência. Durante a união extática, as faculdades fundem-se, imergem-se, inflamam-se em mim, enquanto o corpo perde as sensações. Vendo, a pessoa (no êxtase) nada enxerga; ouvindo, nada escuta; falando, nada diz. A não ser que alguma vez eu permita que fale da abundância do coração, para desafogar-se e glorificar o meu nome. Tocando, a mão não sente; movendo-se, os pés não caminham. Todos os membros ficam como que ligados pela corrente do amor; tal situação dos sentidos é submetida à razão, que os congrega no amor do espírito. Contrariando a própria tendência natural, os perfeitíssimos clamam diante de mim que os leve, que separe a alma do corpo. Dizem como São Paulo: "Infeliz de mim! Quem me afastará deste corpo? Tenho em mim uma lei perversa que combate contra o espírito" (Rm 7,24.23).

Com tais palavras, Paulo não se referia propriamente a uma oposição entre a sensibilidade e o espírito, pois eu o tranquilizara, afirmando-lhe: "Paulo, basta-te a minha graça"(1Cor 12,9). Por que falava daquele modo, então? Por sentir-se retido no corpo, impedido de ter a minha visão até à morte. Seu olhar estava cerceado, impossibilitado de ver a Trindade eterna, na visão dos bem-aventurados, que me glorificam continuamente. Via-se, Paulo, entre os mortais que me ofendem, impedido de contemplar a minha essência.

Realmente Paulo e todos os demais servidores meus vêem-me e experimentam-me no amor da caridade. Isto lhes acontece de diversos modos, conforme o quero. Não vêem, porém, a minha essência. Todo conhecimento concedido durante esta vida mortal não passa de escuridão, comparado com a visão da alma separada do corpo. Esta a razão por que Paulo afirmava que a carne combate a visão do espírito. Queria ele dizer que a lentidão dos sentidos impede minha visão face a face. Parecia-lhe que a vontade não consegue amar quanto deseja, uma vez que todo amor é imperfeito antes de atingir sua plenitude.

O que foi dito, não significa que se trate de um amor imperfeito quanto à graça e à perfeição da caridade, seja em Paulo como nos meus servidores. Sob tal ponto de vista era um amor perfeito, faltando apenas a saciedade total do céu. Eis o motivo da sua insatisfação. Não sofreria Paulo, se os seus desejos estivessem saciados. Enquanto se acha no corpo, o amor humano não possui inteiramente o objeto amado; por isso, sofre. Quando a alma se separar do corpo, seus desejos se cumprem e o sofrimento cessa. Sim, separada do corpo, a alma sentir-se-á realizada e sem fastio; continuará desejando, sem padecer falta alguma. Então, estará repleta de minha verdade, possuirá quanto deseja: querendo ver-me, terá a visão da minha face; querendo contemplar a minha glória nos anjos e santos, ser-lhe-á mostrada. Terá um conhecimento perfeitíssimo, seja da minha glória nos bem-aventurados, seja em todas as criaturas da terra, pois todos os homens, queiram ou não, rendem-me glória.

A humanidade não me glorifica como deve, não me dedica um amor superior a todo outro amor. Assim mesmo, dela retiro o louvor que me é devido. Refulge nos homens minha misericórdia e minha caridade, pois sou paciente, concedo-lhes tempo de viver, não ordeno à terra que os devore quando pecadores. Pelo contrário, contemporizo, faço o solo produzir frutos, o sol iluminar e aquecer, o firmamento girar. Sou misericordioso para com todos os seres criados para o homem. Condenando o pecado, não privo os homens dos bens criados; concedo-os ao justo e ao pecador. Algumas vezes, dou-os mais a pecador e privo o justo de bens materiais se o considero preparado para isso, na intenção de dar-lhe mais abundantemente os bens do céu.

O amor misericordioso refulge nos meus servidores na hora das perseguições contra eles movidas pelos seguidores do mundo. Tais perseguições são oportunidades para que demonstrem amor e paciência. Ao sofrer, eles me louvam com orações contínuas e humildes; dessa forma, até os perseguidores, mesmo sem querer, rendem-me glória. Nesta vida, os maus fazem crescer a virtude dos bons. Assim como os demônios, no inferno, atuam minha ação justiceira sobre os condenados, os perseguidores deste mundo promovem os bons. Também os demônios o fazem mediante lutas e tentações; ao induzir os mesmos a se ofenderem, a furtarem-se uns aos outros, os demônios pretendem levá-los ao pecado, sobretudo privá-los da caridade. Mas acabam por fortalecer meus servidores, pondo à prova sua paciência, fortaleza e perseverança. Desse modo, até os demônios me glorificam, realizando quanto eu planejara. Criei-os para que me louvassem, para que participassem de meu esplendor. Cheios de orgulho, rebelaram-se e decaíram, foram privados da minha visão. Já que não me dão glória pelo amor, aproveito-os como instrumentos para exercitar meus filhos na prática das virtudes; também como promotores da minha justiça no inferno; e ainda entre os que passam pelas penas do purgatório. Glorificam-me, não como cidadãos do céu - privados que estão da vida eterna - mas como executores da justiça junto aos condenados no inferno e aos que estão no purgatório.

Uma vez separada do corpo, a alma humana compreende que todos, mesmo os demônios, me louvam; ao atingir a meta final, vê claramente e entende toda a verdade. Ao ver-me, ama-me, e tal amor lhe dá a plenitude da verdade. Sua vontade une-se à minha e assim não mais padecerá. Já atingiu tudo quanto desejava. Como afirmei acima, a alma separada do corpo vê minha glória nos bem-aventurados, em todos os seres, mesmo nos demônios. Já não lhe produzem sofrimento as ofensas que se cometem contra mim e que antes lhe causavam tristeza. Sente, todavia, compaixão pelos pecadores; ama-os; intercede por eles. Cessou a dor, não o amor. Foi o que se deu com meu Filho quando estava pregado na cruz; com a horrível morte, cessou a dor causada pelo seu ardente desejo de salvar a humanidade. Esse desejo santo acompanhara meu Filho desde a encarnação até o último suspiro. Ao acabar a dor, o desejo santo continuou. Se com a morte de Jesus tivesse cessado o amor que revelei por vós em Cristo, nem existiríeis mais. Fostes criados num ato de amor; se tal amor acabasse, se eu não quisesse mais vossa existência, cairíeis no nada. Meu amor vos criou e vos conserva. Meu Filho e eu somos um. Na sua morte cessou a dor, não o amor por vós. Da mesma forma os bem-aventurados continuam a ter o desejo da salvação da humanidade, mas sem sofrimento. Tendo acabado a dor no instante de sua morte, continuam a amar; inebriados no sangue do Cordeiro imaculado, revestidos de amor pelo próximo, já passaram pela porta estreita; mergulhados no sangue de Cristo, imergiram-se em mim, oceano de paz; libertados da imperfeição insatisfeita, tornaram-se perfeitos na saciedade de todos os bens.  

18.5.5 - O exemplo de Paulo.

Quando elevei Paulo ao terceiro céu nas profundezas da Trindade (2Cor 12,2-4), ele teve a experiência do meu poder, recebeu a plenitude do Espírito Santo e apreendeu a mensagem do Verbo encarnado. Como acontece com os bem-aventurados, sua alma uniu-se intimamente a mim. Mas continuava no corpo. Quis fazer dele um vaso de eleição no abismo da Trindade (At 9,15). Como não mais poderia padecer se fosse revestido da minha paternidade, despojei-o de mim mesmo e pus diante do seu espírito o meu Filho crucificado; infundi nele sua mensagem, acorrentei-o no fogo da caridade mediante a clemência do Espírito Santo. Qual vaso reformado, Paulo não opôs resistência ao ser ferido na estrada de Damasco. Apenas perguntou: "Senhor meu, que desejas que eu faça? Haverei de realizar teu desejo" (At 22,10). Respondi colocando Jesus crucificado diante dos seus olhos e revelando-lhe sua mensagem. Iluminado, arrependido e repleto de amor, ele desprezou seus pecados e assumiu a mensagem de Cristo crucificado. De tal forma a estreitou a si que, como ele mesmo diria mais tarde, dela ninguém o separaria: nem a tentação, nem os demônios, nem o aguilhão na carne, para que progredisse na graça e no merecimento. Como havia experimentado a profundeza da Trindade, ocorria humilha-lo. Assim dificuldade ou acontecimento algum o conseguiam demover de Cristo e sua mensagem; pelo contrário, mais o aproximavam. E Paulo, de tal modo os abraçara, que lhes deu sua vida e, revestido de Cristo, retornou a mim, Pai eterno.

Foi desse modo que Paulo fez sua experiência de união no amor, sem a separação da alma com o corpo. Ao voltar a si (do êxtase), revestido de Cristo crucificado, sentia-se imperfeito, comparando com a caridade que vislumbrava em mim e nos santos do céu. Parecia-lhe que o peso do corpo impedia a perfeição do amor e a realização dos desejos próprios do além-morte. Sua memória era débil e incapaz de acolher e recordar naquele grau que acontece aos santos. Vivendo no corpo, sentia a lei perversa que lutava contra o espírito; tal combate não o levava ao pecado, como expliquei naquelas palavras: "Paulo, basta-te a minha graça", mas impedia a suma perfeição de ver a minha essência. Por isso ele exclamava: "Infeliz de mim, quem me livrará deste corpo? Trago nos ombros uma lei perversa, que luta contra o espírito". E tinha razão! Devido à imperfeição do corpo, a memória fica diminuída, a inteligência não consegue ver minha essência, a vontade permanece retida sem experimentar-me - Deus eterno que sou - isenta de dor. Falava com exatidão Paulo ao afirmar que existe no corpo uma lei perversa a lutar contra o espírito. Aliás, essa é a mesma razão por que meus servidores do terceiro e quarto estado, perfeitamente unidos a mim, também clamam desejando libertar-se do corpo.

18.5.6 - O desejo da morte.

Os perfeitíssimos não temem a morte; até a desejam. Desprezam o próprio corpo, fazem-lhe guerra, renunciam ao natural cuidado com ele; têm pouco amor à vida física e muito amor por mim. Eles suspiram pela morte, dizendo: "Quem me separará deste corpo (Rm 7,24)? "Desejo partir e ir estar com Cristo" (Fl 1,23). Ou então: "A morte é minha aspiração e, a vida, eu a suporto com paciência" (Fl 1,21; Rm 8,23). Sublimada na união, a alma deseja ver-me e glorificar-me. Quando volta a si, readquirindo suas sensações, fica impaciente fora do êxtase, distante da convivência com os santos que me glorificam, em meio a pecadores que tanto me ofendem. A pessoa retorna às sensações corporais, porque antes elas haviam sido arrebatadas no ímpeto do amor, quando o espírito se vê mais unido a mim que ao corpo. Disse que o corpo não aguenta uma união extática contínua. Por esta razão afasto-me da pessoa. Ela não perde a graça; continua a sentir as consolações sensíveis e espirituais, o que não acontecia no segundo e terceiro estados. Agora retiro-me somente quanto à união; mas volto depois com maior intensidade de graça e união, com maior conhecimento da minha verdade, que se revela à pessoa. É justamente quando me afasto para que o corpo volte ao seu normal, que o perfeitíssimo sentirá a impaciência. Ao ver os pecados que me ofendem, sua dor é cruel. Por tal motivo e pelo desejo de rever-me, a vida lhe parece insuportável. Mas como sua vontade se identificou com a minha, conforma-se ao que desejo. Embora suspirando por mim, permanece no corpo ao mesmo tempo alegre e sofredor, porque tal é a minha vontade. Tudo aceita por minha glória e pela salvação dos homens.

Com tal modo de se comportar, em nada se afasta de mim. Inflamados de amor, transformados em Cristo crucificado, correm céleres pela porta-mensagem do meu Filho, alegres nos sofrimento e dificuldades. Equilibram-se neles a alegria e a dor: tanto se rejubilam quanto sofrem! A presença de grandes lutas constitui até um lenitivo para o desejo de morrer. Realmente, muitas vezes a vontade de sofrer mitiga a dor proveniente da espera da morte. Estes, que estão no quarto estado, além de tolerar os sofrimentos com paciência - como ocorria no terceiro estado - alegram-se nas contradições. Se sofrem, ficam contentes; se não sofrem, ficam tristes. Neste último caso, temem que eu os esteja recompensando nesta vida por suas boas obras ou que não me seja agradável o ímpeto de seus desejos. Rejubilam-se quando permito grandes dificuldades, pois acreditam-se participantes dos sofrimentos de Cristo. Caso lhes fosse permitido praticar as virtudes na tranquilidade, não o aceitariam; acham melhor alegrar-se na cruz com Cristo, adquirir as virtudes na luta, do que alcançar o céu por outras formas. Por que razão? Por que se afogaram no sangue e nele acharam o amor, essa chama que procede mim e que arrebata o coração e espírito no sacrifício dos desejos. Eleva-se a inteligência na contemplação da minha divindade, a vontade a segue, alimenta-se de mim, une-se a mim. É o conhecimento infuso, que concedo àqueles que realmente me amam e servem.

18.5.7 - O conhecimento infuso.

Foi com essa iluminação que Tomás 85 adquiriu grande sabedoria. iluminados por meu Filho, Agostinho, Jerônimo e outros santos doutores compreenderam a verdade nas trevas. Naqueles tempos a Escritura parecia obscurecida; não por deficiência sua, mas pela incapacidade dos leitores, que não a compreendiam. Então eu os enviei como lâmpadas para iluminar os homens de vista curta e inteligência fraca. Nas trevas, eles aplicaram suas inteligências na procura da minha verdade. Vendo seus esforços, eu iluminei-os com a luz sobrenatural e eles compreenderam. O que parecia obscuro, tornou-se claro para todos, cultos e incultos. Cada pessoa recebe tal luz conforme suas aptidões e disposições. Respeito as pessoas. Como acréscimo à luz da razão, a inteligência é iluminada por uma luz infusa, proveniente da graça. Foi com essa segunda luz infusa e sobrenatural que os doutores da Igreja e demais santos conheceram a verdade, transformando a escuridão em claridade.

Como a inteligência é anterior à Escritura, é dela que provém a sabedoria necessária para sua compreensão. Foi tal modo que os santos profetas entenderam e falaram sobre a encarnação e morte de meu Filho; que os apóstolos foram sobrenaturalmente iluminados com a vinda do Espírito Santo em pentecostes; que os evangelistas, doutores, confessores, virgens e mártires acolheram brilhante luz. A seu modo, cada um deles a recebeu de acordo com as necessidades da salvação - pessoal e dos outros -, e da interpretação das Escrituras: os doutores esclareceram a mensagem de Cristo pela sabedoria; os apóstolos pela pregação; os evangelistas, escrevendo-a; os mártires testemunhando, com seu sangue, a luz da fé e a riqueza da paixão de Cristo; as virgens obedecendo. Pela obediência, amor e pureza, estas últimas revelaram a perfeita humildade do meu Filho, que por obediência correu para a terrível morte na cruz.

Toda revelação, contida nos oráculos dos profetas do Antigo Testamento e nos escritos do Novo, for compreendida mediante essa luz infusa, sobrenatural. Sim, também no Novo Testamento a vivência evangélica foi dessa forma revelada aos cristãos. Sendo uma só a fonte, isto é, provindo da mesma iluminação, a Nova Lei não suprimiu a Antiga, mas acrescentou-se a ela. Retirou-lhe a imperfeição. A Antiga fundamentava-se no temor do amor. Em lugar do temor servil, do medo dos castigos, inseriu o amor filial. Disse ele que não viera anular a lei de Moisés. Quando disse: "Eu não vim abrogar a lei, mas levá-la à perfeição" (Mt 5-17), queria significar: "A lei de Moisés é imperfeita; eu a aperfeiçoo no meu sangue. Vou retirar-lhe o temor servil e dar-lhe o que não possui, o amor, o temor filial".

Quem manifesta isso? A luz sobrenatural da graça, algo superior à luz da razão, que é concedida a quem o deseja. Toda claridade proveniente das Sagradas Escrituras sempre procedeu e ainda procede dessa luz. Em sua presença cegam-se os sabichões ignorantes, pois o orgulho e o egoísmo constituem uma nuvem de fumaça que esconde e afasta o saber infuso. Esses tais compreendem a Escritura literalmente, não no seu sentido profundo. Apreciam-lhe a letra após longos estudos, mas não penetram seu espírito. O motivo é este: eles desprezam a luz com que a Bíblia foi escrita e explicada. Maravilham-se mesmo, e põem-se a murmurar quando vêem pessoas sem estudo e rudes, extremamente iluminadas no conhecimento das Escrituras, como se tivessem estudado muito. Na realidade, não há maravilha nisso. Tais pessoas rudes possuem a fonte principal donde brota a sabedoria, enquanto aqueles soberbos, por desprezar a luz descrita acima, ignoram minha bondade e a iluminação infusa pela graça nos meus servidores.

Por esse motivo eu te digo que, nos assuntos da santificação da alma, é melhor aconselhar-se com uma pessoa rude, mas dotada de uma consciência reta e santa, do que com um literato orgulhoso. Cada um dá o que possui. Vivendo no pecado, os literatos orgulhosos apresentam a luz das Escrituras envolta em trevas, ao passo que meus servidores, devido à luz que possuem, falam do que têm, com autêntico desejo da salvação.

Falei-te a respeito de tudo isso, minha filha querida, para mostrar-te como é a perfeição do estado de união.

Nele a inteligência é sublimada pelo fogo do amor e iluminada sobrenaturalmente; como a vontade segue a inteligência, a pessoa me ama. Quanto maior o conhecimento, maior o amor, e vive-versa. Uma coisa alimenta a outra. Com tal luz, a alma chega à visão eterna, quando me conhecerá e gozará em mim. Isso acontece, com expliquei ao tratar da felicidade dos santos, quando a alma separar-se do corpo. Este é um estado de vida extraordinário. Embora sujeito à morte, o homem já vive entre os bem-aventurados. Frequentemente entra em êxtase. Sem saber se está no corpo ou fora dele, a alma experimenta a certeza do céu, seja devido à união que mantém comigo, seja pela morte da vontade própria. Aliás, foi essa "morte" da vontade que possibilitou a união. Livre desse "inferno" que é a vontade própria - certeza de condenação para quem vive segundo a sensualidade - o homem saboreia a vida eterna.

18.6 - Sumário e exortação.

Desta maneira teu espírito compreendeu e o ouvido interior escutou de mim, verdade eterna, como deves agir para utilidade tua e do próximo relativamente à verdadeira mensagem. Inicialmente afirmei (2.2) que é pelo autoconhecimento; não um conhecimento somente de ti mesma, mas também da minha presença em ti. Mediante este duplo conhecimento, ficas humilde, desprezas a ti mesma, descobres o fogo do amor por mim e pelos homens, começas a trabalhar pelos outros ensinando e dando bons exemplos. Em seguida eu te falei ponte, como ela é. Discorri sobre os três degraus nas faculdades da alma (16.1) e expliquei como é impossível conseguir a vida da graça sem percorrer os três degraus "unificando" (16.3) em mim as faculdades. Também falei (18) sobre os três estados da alma, simbolizando-os no corpo de meu Filho. Disse que ele fez do seu corpo uma escada com os pés cravados, o costado aberto, a boca onde está a quietude e a paz. Falei sobre as imperfeições do amor servil e interesseiro, sobre a perfeição do terceiro estado próprio daqueles que atingem a boca de Cristo, após ter percorrido com desejo santo a ponte-mensagem de Cristo crucificado; galgaram os três degraus gerais, unificando as três faculdades da alma e, por conseguinte, todas as sua atividades, em mim, como foi explicado (16.1). Também discorri sobre os três degraus particulares (ou atuais), percorridos na passagem do estado imperfeito ao perfeito. Viste como os perfeitos correm no bem; sentiste a perfeição da alma adornada de virtudes; os enganos pelos quais passa antes de aperfeiçoar-se, caso não pratique o autoconhecimento no momento oportuno. Também falei dos infelizes que se afogam no rio do pecado (14), fora da ponte-mensagem de meu Filho, construída por mim para salvar-vos; como loucos eles preferem envolver-se nas misérias e sujeiras do mundo.

Expliquei tudo isso para aumentar a chama do teu desejo santo, tua compaixão e dor por causa da condenação eterna dos homens; desejo que a caridade te obrigue a abraçar-te comigo em lágrimas e suor. Naquelas lágrimas que brotam da oração humilde e contínua, e que me são oferecidas com ardentíssimo desejo. Quero que além de ti, muitas outras pessoas - ao ouvir tais coisas sejam levados a orar obrigando-me a usar de misericórdia para com o mundo e para com a hierarquia da santa Igreja pela qual tanto suplicas. Como deves recordar, afirmei (2.11) que escutaria vossos pedidos, confortar-vos-ia nas lutas, faria frutificar vossos desejos, enviando pastores bons e santos para a reforma da santa Igreja. Disse (4.4) que não é pela guerra, pela espada e pela crueldade que isso acontecerá, mas com a paz, a tranquilidade, as lágrimas e os suores dos meus servidores. Eis a razão por que vos coloquei a trabalhar por vós mesmos, pelos demais cristãos e pela hierarquia da santa Igreja. Quanto a vós mesmos, deveis praticar as virtudes; quanto aos outros e à hierarquia, dareis bons exemplos, ensinareis, oferecereis orações contínuas e praticareis o bem segundo o modo como expliquei (2.7), já que todo ato bom ou mal se realiza no próximo. Quero que sejais úteis aos outros; tal é a maneira de produzirdes frutos em vossa vinha pessoal.

Não cesseis de oferecer-me o incenso perfumado de vossas preces pela salvação da humanidade! Quero perdoar ao mundo, quero lavar a face da santa Igreja com vossas orações, suores e lágrimas. Mostrei-te minha Esposa na figura de uma jovem com o rosto conspurcado, como que leprosa, por causa dos defeitos da hierarquia e de todos os cristãos. Mas sobre tais pecados falarei depois. 

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Continua na parte 19 )

 




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