Postado em: 15/06/11 às 22:24:08 por: James
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Dor e propósito
D. — Padre, é coisa importante sentir a dor dos pecados cometidos?
M. — A dor dos pecados é coisa importantíssima, de todo indispensável mesmo, para cada confissão. Sem ela o Sacramento não terá lugar. Assim como o Sacramento do Batismo não se pode realizar sem água, também não é possível o Sacramento da Penitência sem dor...
D. — Então todos aqueles cuja principal preocupação é a procura dos pecados, e que pouco se importam de excitar a dor, não fazem boas confissões?
M. — Fazem todos confissões sacrílegas ou nulas; sacrílegas quando se conhece a própria falta de dor; nula se se ignora o fato. É verdade que a boa vontade de se confessar bem, e na diligência em fazer bem o exame a dor está incluída; portanto não há motivos para sustos.
D. — Como é que se deve fazer para excitar a dor dos pecados?
M. — Deitemos um olhar para o inferno, merecido com os nossos pecados; contemplemos o Paraíso, perdido, com os nossos pecados. Deitemos um olhar para o crucifixo, onde Jesus agoniza por causa das nossas culpas. Pensemos que Deus é tudo e nós nada; que de uma hora para outra pode abandonar-nos; que muitos, mais moços do que nós, já estão no inferno e que, se nós ainda estamos aqui, é porque Ele usa conosco de misericórdia.
Era uma quinta feira santa. Um oficialzinho elegante chegou ao confessionário e, sem mais nada, foi dizendo:
— Padre, desculpe a minha franqueza: sou militar; não vim aqui para me confessar, mas somente para satisfazer o desejo de minha mãe e de minhas irmãs, que me observam do banco. Elas querem que eu comungue na Páscoa, mas eu não creio nisso, até me rio.
— Então o senhor se ri da religião e dos Sacramentos?
— Sim, Padre, eu me rio da religião e dos Sacramentos.
— Ri-se também da verdade eterna, do inferno e do Paraíso?
— Sim senhor, Padre, rio disso também.
— Sendo assim, o senhor mesmo pode compreender que não posso absolvê-lo, nem mandá-lo para a Comunhão.
— Mas eu tenho que comungar para contentar à minha mãe e ás minhas irmãs.
— Bem, façamos então assim: o senhor trate de temporizar com sua mãe e com suas irmãs. Diga-lhes que o Confessor lhe impôs uma penitência antes de Comungar. Enquanto isso, o senhor, cumprirá a penitência que lhe vou dar e voltará aqui.
— Quê penitência vai me dar se não me confessei?
— Quê importa? O senhor, vindo aqui simula uma confissão. Penso que não quer fazer caçoada de mim, portanto fará a penitência: quero que me prometa como bom soldado.
— Seja como quiser: farei a penitência; mas qual?
— Nestas três noites o senhor renunciará o clube e os divertimentos e, assim que se deitar, deverá dizer: Meu Deus, eu creio em Vós, mas me rio da Vossa Religião e dos Vossos Sacramentos. Creio em Vós, mas me rio da morte e do juízo final. Creio... mas me rio do inferno e da eternidade. Depois disso dormirá tranqüilo; fá-lo-á?
— Padre eu lho prometo: palavra de soldado, palavra de rei!
Levanta-se e Vai embora.
Sábado à noite ei-lo de novo no confessionário ajoelha-se, e:
— Padre, exclama, eu sou o oficial da penitência; eu a cumpri e venho para dizer-lhe que, pensando seriamente, não sinto mais vontade de rir de tudo aquilo: pelo contrário, temo tudo. Tenha a bondade de me ajudar a fazer uma boa confissão.
O efeito desejado estava obtido. O pensamento dos "Novíssimos" tinha conseguido o arrependimento do militar, que, no fundo, ainda conservava a fé, mas uma fé adormecida pela má vida a que se tinha entregue, e da qual, em face de Deus, da morte e da eternidade, se tinha envergonhado.
D. — Padre, de quantas espécies pode ser essa dor?
M. — Pode ser de duas espécies: dor perfeita também chamada contrição, e dor imperfeita, também chamada atrição. Aquele que se arrepende dos pecados só por medo dos castigos nesta e na outra vida, ou seja, movido por amor interessado, tem só atrição, essa dor é moeda legal, mas é cobre. Aquele que pelo contrário, se arrepende porque ofende a Deus, nosso Pai, ou seja, movido por um amor filial, tem a contrição perfeita, que é moeda de ouro.
D. — É importante ter-se a contrição perfeita?
M. — É importantíssimo, porque, aliada ao propósito nos confessarmos assim que for possível, ela obtém a remissão mesmo antes da confissão: se alguém morresse em tal estado salvar-se-ia.
D. — E pode-se comungar?
M. — Não, para a comunhão, a confissão prévia é indispensável.
D. — Mas, Padre, se depois a gente mudar de propósito e não confessar, esses pecados revivem?
M. — Não, um pecado perdoado não revive mais; mas a pessoa comete uma grave omissão pela qual será sempre responsável.
Portanto, cada vez que por desgraça você cometer um pecado mortal, faça logo o ato de contrição perfeita com o propósito de se confessar o mais breve possível, afim de tranqüilizar a sua consciência.
D. — Padre, é necessário sentir a dor dos pecados?
M. — Não, não é necessário sentir essa dor como se sente dor de cabeça ou de dentes; basta tê-la no coração.
— O quê está fazendo, menino? Perguntou o confessor a um garoto que, enquanto esperava para a confissão dava com a cabeça na parede.
— Oh, Padre, estou tratando de sentir a dor dos meus pecados!
D. — Coitadinho... talvez era ainda inocente!... E o quê é propósito?
M. — É a vontade resoluta de não cometer o pecado e fugir das ocasiões. É uma conseqüência da dor sendo impossível conceber-se uma verdadeira dor dos pecados, sem se estar, ao mesmo tempo resolvido a não mais os cometer.
D. — Como deve ser o propósito?
M. — Deve ser eficaz, ou seja, devemos desligar-nos por completo e a todo o custo de cometê-lo novamente; e isto sem protestos nem rodeios ou intenções pouco honestas. Um tal confessava que tinha roubado uns feixes de lenha.
— Quantos? perguntou o confessor.
— Padre, eu tirei cinco, mas o senhor pode calcular sete.
— Como! são cinco ou sete?
— Eu explico Padre. Dos sete feixes que encontrei tirei cinco, mas hoje à noite irei buscar os outros dois. Confesso-me antecipadamente; por isso o senhor pode calcular sete.
Uma moça que tinha acabado de se confessar, perguntou depois de receber a absolvição:
— Padre, posso comungar hoje?
— Pode sim, e não só hoje como amanhã e nos dias seguintes.
— Ah, amanhã já não poderei mais porque marquei um encontro no baile hoje á noite e não posso faltar.
— Você falou em baile? Mas você não acabou agora mesmo de prometer a Jesus que não O ofenderia mais e que evitaria as ocasiões?
— Padre, eu prometi para o passado e não para o futuro!
Eis aí. A maior parte das vezes promete-se para o passado, isto é, não se promete nada, e assim, a história se repete sempre: confissões e pecados, pecados e confissões. Mas, confessar-se sem se emendar é o caminho certo para a perdição.
D. — De quê modo podemos manter esse propósito?
M. — 1) Não devemos confiar muito nas nossas próprias forças, mas devemos pedir constantemente a Deus o auxílio da sua graça.
2) Devemos impor-nos, a cada recaída, uma penitência que, além de contribuir para a expiação do pecado, servirá também para conservar-nos vigilantes.
3) Devemos voltar à confissão o mais breve e freqüentemente possível para enfraquecermos o demônio e sairmos vitoriosos sobre ele no futuro.
Os missionários da África contam que, naquele continente, há um animal pouco maior do que o gato comum; justamente por isso é chamado gato selvagem. Esse animal é continuamente assaltado pelas serpentes que abundam na região; muitas vezes trava combates com elas, mas sai quase sempre vencedor. É que ele tem o seu segredo: conhece uma erva cujas virtudes contra a mordedura de cobra são extraordinárias. Assim que se sente mordido, corre para se esfregar nessa erva e volta pronto para a luta. Ferido uma, duas, três vezes, recorre sempre ao mesmo remédio e sara sempre. Dessa maneira, continua a lutar até arrancar a cabeça do inimigo.
Nós também estamos em luta contínua com a serpente infernal que, por todos os meios e com todos os gêneros de pecados nos tenta e nos impele para o mal. Queremos a vitória? O remédio infalível é a confissão freqüente. O demônio não terá então mais nenhum poder sobre nós.
D. Padre, e os que prometem sempre e nunca mantêm?
M. — São pobres infelizes cujo fim será certamente bem triste, porque com Deus não se brinca!
Havia muito tempo que uma mãe amorosa, que vivia no temor de Deus, exortava o filho, malandro e viciado, a mudar de vida. Ele prometia sempre, mas eram promessas ao vento.
Da última vez que a pobre mãe, mais com lágrimas do que com palavras, lhe suplicou que se convertesse o filho disse:
— "Pois bem, estou resolvido a seguir os seus conselhos; eu também estou envergonhado e cansado desta minha vida tão má; tenha paciência por mais estes 3 dias de carnaval, e depois farei penitência". O infeliz jovem pensava que dessa maneira podia ajustar contas com Deus, preparando-se, com novos pecados, para se confessar e se converter.
Mas com Deus não se brinca. Passaram-se os três dias ocupados em pagodes e vícios. Na noite da terça-feira ele volta para casa a altas horas da madrugada, cansado do longo baile. Poucos instantes depois, ouvem barulho no seu quarto; entram apressados e acham-no estendido no chão sufocado por uma golfada de sangue. Assim se acabaram os seus projetos de conversão e os seus propósitos falazes.
O inferno está cheio dessas pessoas que prometem emendar-se sem nunca cumprir a promessa.
D. — E os que dizem: não posso, não posso?!
M. — Esses são ainda mais infelizes: isso é sinal de que já são escravos das mais vergonhosas paixões.
D. — Parece-me que quem deseja ardentemente sempre pode; não é mesmo, Padre?
M. — É verdade, porque Deus nunca nega a sua graça aos que a procuram sinceramente, e porque a potência do nosso querer também é grande. Posso prová-lo com um fato histórico.
O General Cambronne morto como um herói em 1842, durante a batalha de Waterloo, quando ainda era simples soldado, estando embriagado, esbofeteou um capitão. Julgado pelo conselho de guerra foi condenado à morte.
O Coronel, que lhe conhecia a bravura como soldado, interveio em seu favor e obteve-lhe a graça: porém, chamando-o para uma conversa particular, o fez prometer que nunca mais se embriagaria. Cambronne disse, então:
— Coronel, devo-lhe a vida; o que me pede é pouco, e, para fazer um propósito eficaz juro que nunca mais provarei nem vinho nem licores.
Passaram-se vinte e dois anos; o soldado era agora general, e, tendo acompanhado Napoleão de Canes à Paris, foi convidado para jantar pelo seu Coronel, que já estava aposentado. Aceitou o convite, mas durante: o jantar, não provou vinho. O Coronel que já tinha esquecido o que se passara havia tantos anos, perguntou a razão. Cambronne lembroulhe então a promessa feita há vinte e dois anos e à qual se tinha conservado escrupulosamente fiel.
Oh, se no propósito da confissão imitássemos a fidelidade de Cambronne! E se se cumprem as promessas feitas aos homens, por que não cumprir as que se fazem a Deus?
D. — Então, as confissões e as absolvições sem o propósito firme e eficaz de fugir do pecado e das ocasiões, são nulas?
M. — São nulas porque, mesmo que o Confessor diga cem vezes: "eu te absolvo", Jesus Cristo que lê nos corações dirá cem vezes: "eu te condeno".
D. — Então é certo o provérbio que diz: Confessar-se vale menos do que nada, se a confissão feita não refaz a gente.
continua...